sábado, 19 de setembro de 2009

Parte 05 - Reis da América


O álbum Paranoid marca o início de uma série de acontecimentos que acabariam por definir de forma decisiva os rumos do Black Sabbath. Foi a partir daquela aparentemente despretensiosa bolacha de vinil, com um soldado paranóico pulando na capa, que a banda mor do nascente heavy metal, tal qual ele, saltou da mera condição de novidade underground dos subúrbios ingleses para o posto de hitmakers n.1 na América, prontos a desbancar muita estrela dos escalões pop de uma Billboard, por exemplo. A seguir, a consagração na estrada os levaria a experimentarem toda a sorte de excessos e loucuras-esses mesmos que você está imaginando...


Parte 5 - Reis da América

"Nunca vou me esquecer do adiantamento que recebemos pelo primeiro disco. Foram 105 pounds, e eu nunca havia ganhado tanto dinheiro em toda minha vida. Fui direto comprar uma camisa nova e a maior garrafa de Brut que encontrei. E o resto do dinheiro dei para meus pais."

Assim um bem-humorado Ozzy Osbourne descreveria a sensação que o primeiro álbum do grupo desencadeara, a um semanário inglês em 1972 - não só nele, mas em todos os outros membros da banda. Black Sabbath, o disco, era um monstro que havia criado vida própria nas paradas de sucesso inglesas e européias, e relegado dinheiro e alguma fama - não muito ilustre, a bem da verdade - àqueles quatro garotos miseráveis de Birmingham, em uma escala bem maior do que eles jamais poderiam imaginar.

"De repente, recebíamos da Vertigo um adiantamento que era mais libras em nossos bolsos do que jamais poderíamos juntar em seis meses de apresentações - seis meses das piores e mais duras turnês que fazíamos no começo!" - diz Tony - "Aquilo tudo era como um sonho, que estava se realizando ali, na nossa frente."

Imagem
Paranoid, o 2.º LP da banda.

Exatamente por isso, por causa da realização desse sonho, e para que se desse a sua perpetuação, é que a banda não podia parar - e tinha que continuar com gás total. Foi no clima de sucesso e alta polêmica que o primeiro LP estava gerando que foram marcadas e executadas as históricas sessões de gravação do disco seguinte.

Programado para se chamar War Pigs, o segundo LP do Black Sabbath se concentrava ao redor de uma enorme peça do mesmo nome, quase uma suíte metálica com diversas mudanças de andamento, formada por uma sólida marcação de ritmo marcial (lembrando as marchas militares tocadas nos quartéis), que a certa altura descambava para uma elucubração de inspiração jazzística tocada com uma garra e peso sem precedentes, enquanto Ozzy lançava seus lamentos berrados em cima de tudo. Em certo momento, todo o caos sonoro dava lugar a um feixe repleto dos solos mais hipnóticos que Tony Iommi já produziu - psicodélicos e sorumbáticos como tudo de melhor que a banda fazia naqueles dias, e que determinava o clima de pesadelo em que se desenvolvia essa música, prevista para ser, portanto, a faixa central do álbum. Vinha sendo testada já nos últimos cinco shows ao vivo do Sabbath, embora a letra ainda fosse um enigma a ser desvendado em estúdio mesmo, horas antes da gravação, pois ainda não havia sido definida e Ozzy cantava algo diferente em cima da música a cada momento - algo que, mesmo após todo o sucesso da canção, não mudaria muito em diversos shows realizados durante o período 1970-1975, dada a mente do madman estar sempre torpedeada pelas mais diversas substâncias imagináveis, tornando impossível a memorização de tudo aquilo que se eternizaria em vinil.

De qualquer forma, e com qualquer letra que fosse, "War Pigs" (Porcos de guerra) era uma crítica aos senhores da guerra, aos homens que comandam milhares em pelotões lançados à morte nas linhas de frente enquanto eles mesmos, protegidos pela hierarquia do exércitos, se mantêm resguardados nas elites militares e em seus quartéis. Em determinado ponto da música, a letra pega pesado, e não só nos oferece visões de generais se arrastando pelos campos de batalha ("On their knees war pigs crawling...") e implorando perdão enquanto são subjugados pelo demônio ("Satan, laughing, spreads his wings..."), como também critica as tropas, consideradas reles peões de xadrez na mão dos poderosos ("Treating people just like pawns in chess"... ).

Lembremo-nos de toda a situação política da época, com o conflito envolvendo Estados Unidos e Vietnã, e notaremos que um Black Sabbath bem politizado estava vindo à tona nesta canção, criticando duramente as engrenagens do poder e da guerra, e fazendo uma clara alusão a todo o sentimento coletivo e contracultural de milhares de jovens que estavam já indo às ruas, fosse no Tio Sam ou em qualquer outro lugar, com cartazes de protesto nas mãos e palavras de ordem nas bocas, clamando pela paz e pelo fim da guerra. Neste sentido, podemos dizer que, mesmo indo na contramão da História, e de todos da fauna e flora bicho-grilo que protestava de uma forma mais cândida e serena no meio de todo aquele clima de confusão do início dos anos 70, o Black Sabbath estava protestando do seu jeito, disparando sobre tudo uma visão bastante ácida e crítica dos acontecimentos da época. Tony Iommi mesmo confessaria, anos depois:

"Muitas pessoas vivem me perguntando o que significa a figura na capa do disco. O que aconteceu foi que o ábum era para ser chamado de War Pigs, então tínhamos feito esta capa com um cara munido de escudo, capacete e espada, um verdadeiro soldado partindo para o ataque com uma expressão alucinada no rosto, representando tudo que está lá, na música. No entanto, depois, o título foi proibido, e tivemos que manter a capa original. Todos sabem, todos se lembram... na época, o negócio do Vietnã era um assunto tabu, um lance meio que proibido de se falar... todo mundo queria estar presente no mercado americano, e ele ainda nem havia abrido suas portas direito para nós. Mas nós realmente QUERÍAMOS muito que o álbum tivesse sido batizado em sua concepção original, queríamos meter o dedo na ferida e fazer aquela crítica. Era o que todos queriam na época: dar sua posição sobre o que estava acontecendo, oferecer o seu ponto de vista."

É isso aí. Ainda que "War Pigs" pertencesse à famosa vertente de músicas do Black Sabbath que tocam no nome do "chifrudo" e possuem referências à influência maligna das forças das trevas sobre o nosso mundo, esse não era, nem de longe, o verdadeiro motivo para que fosse censurada pelo pessoal da gravadora.

Imagem
Bill Ward, no estúdio em 1970: preparando a batera para a gravação de mais um clássico do Black Sabbath.

A Vertigo Records, inicialmente, tentou fazer a cabeça dos rapazes para que "War Pigs" não fosse nem lançada. Entretanto, isso era demais: era consenso entre todos que aquela era uma das melhores e mais fortes composições que eles já haviam feito, e só pensar em propôr tal coisa a Ozzy iria certamente resultar no fim prematuro do Sabbath na Vertigo (que, com todo o sucesso deles, definitivamente não desejava isso). O próprio produtor da banda, Roger Bain, se rebelou, tachando tal atitude de "crime artístico". Bem, então como não dava pra tirar a música, que o seu destaque fosse ao menos minimizado. Além de retirar o seu nome da capa do LP, que ela fosse jogada para uma posição de terceira ou quarta faixa no lado B do vinil, com um outro nome, talvez - algo diferente, um pouco mais "ameno". "Nem pensar - o lugar dela é abrindo o disco, no lado A", foi o posicionamento de Jim Simpson, representando Tony e Ozzy, em uma reunião com alguns executivos da Vertigo, duas semanas antes do lançamento do álbum. E, depois de muita discussão, afinal, foi decidido que tudo bem, mas com uma ressalva: se nas primeiras três semanas de vendagem nos EUA, o álbum não fosse além de um certo número "X" de cópias previsto numa cláusula pela Vertigo, então todas as tiragens seguintes do disco seriam prensadas do modo deles, fazendo as alterações (censuras) necessárias.

Durante as gravações do LP, no entanto, ficou bem claro que o disco não seria só "War Pigs", no entanto. Muito pelo contrário: é o disco, até hoje, que concentra o mais brilhante conjunto de composições do catálogo da banda. Estão lá clássico após clássico: "Iron Man", "Fairies Wear Boots", "Planet Caravan", "Electric Funeral", "Hands of Doom"... além, é claro, de "Paranoid".

A estória por trás desta bombástica pequena obra-prima - com os seus 2:45, foge totalmente aos padrões das grandes viagens do heavy metal! - é folclórica. Iommi gosta de brincar, até hoje, que se o primeiro álbum do Black Sabbath não gastou mais de dois dias para ser gravado, o segundo demorou "bem mais": quatro dias. O que acontece é que o esquema de trabalho da banda, naqueles tempos, era o mesmo sempre que se reuniam para gravar: Tony e Geezer chegavam com alguma coisa que tinham em mente e passavam a Bill e Ozzy, para eles irem pensando em percussão e letra, respectivamente. Poucas horas (ou mesmo minutos) depois, as idéias eram discutidas, as peças iam se encaixando, e começavam longas jam sessions em que as contribuições dos quatro iam tomando forma e lugar, até que todos gostassem do que estavam ouvindo. "Paranoid" foi o resultado de uma dessas jams, justamente a última que realizaram para o disco, originada de uma parte rápida em que Tony e Geezer vinham trabalhando e na qual foi acrescentada uma levada acelerada e estonteante de Bill. Ozzy começou a improvisar em cima, com uma letra que era a reminiscência do que ele havia sentido ao romper com uma garota com quem tivera um pequeno caso ainda em Birmingham, um pouco antes da segunda turnê do Earth a Hamburgo - um fim de namoro que deixara o vocalista abalado, e o fizera tomar um porre sensacional quando da chegada a Hamburgo, deixando todos que o viam com a impressão de que estava "paranóico", e realmente transtornado. Suzy, a moça em questão, vivia reclamando que Ozzy "não se acertava" nunca, e com um comportamento animalesco daqueles, nunca chegaria a ser um pop star, deixando o vocalista profundamente magoado. "Finished with my woman / 'Cause she couldn't help me with my mind..." (Terminei com minha mulher / Pois ela não podia me ajudar com minha mente...) começava a letra, que era uma transposição, feita para o relacionamento marido / esposa, deste antigo relacionamento de Ozzy.

A tal "parte rápida" da jam, já apelidada de "Paranoid" por todos assim que Ozzy terminou de cantar, foi composta em não mais que cinco minutos apenas, e o engenheiro de som que pilotava a mesa naquela noite, Tony Allom, propôs que a tocassem novamente para que ele pudesse gravá-la de modo adequado, mas só a tal parte rápida, fazendo dela uma "canção inteira", separada do resto da jam e das improvisações. Assim deveria ser pois já tinham muito material para o álbum, e talvez aquilo pudesse ser usado só para preencher um espaço - "sabe como é, uma brincadeirinha só pra encher lingüiça em um dos lados, A ou B", disse Allom. Tony e Geezer, então, bolaram rapidamente aquela esperta introdução, fizeram sinal para a entrada da batera de Bill, e... PAU!

Saiu como saiu. Em menos de três minutos, a "brincadeirinha" estava gravada e pronta para ser, para toda a posteridade, um dos mais célebres clássicos eternos do rock pesado.

Imagem
Black Sabbath, em 1970.

"Paranoid", a música, exerceria uma influência tão grande sobre a música pop, em geral, que até bandas punk, como toda aquela geração revoltada e "básica" do final dos anos 70, reverenciaria o Black Sabbath (pelo menos o daqueles primeiros discos) como uma banda "legal", e acima de qualquer suspeita, sem qualquer estrelismo... gente como The Damned e outros chegavam mesmo a tocá-la como aquecimento, nas passagens de som de suas apresentações e em shows, tal a energia que a música passa.

No final das contas, terminado antes da metade de setembro de 1970, o disco foi ouvido pelos cabeças da Vertigo e, diante de toda a briga por causa da faixa-título, a maioria deles se apaixonou por "Paranoid", e a elegeu o carro-chefe do LP e a música a dar título para o mesmo. Num primeiro momento, Geezer, ao ser informado da decisão, levou tudo em tom de galhofa, falando para Ozzy: "O quê?!? Estão brincando? Agora, se fizermos "hip-hip-hurrah" no estúdio, eles vão querer lançar como single também???".

A verdade foi essa. Apesar de ser uma espécie de "hino oficial" do Black Sabbath, meio que a contragosto deles - como Bill que, por exemplo, considera "Black Sabbath" a música oficial da banda - "Paranoid", na época, foi considerada meio "simples" demais e até ridícula para ser lançada como faixa-título do segundo trabalho da banda. Houve até quem achasse que era uma canção "comercialóide" demais para os padrões do Black Sabbath - como Tony Iommi, fumando mais erva do que tudo e então imerso nos climas alucinógenos e sombrios de coisas como "Planet Caravan" e "Electric Funeral". "Penso que estão querendo nos fazer de banda do Top of the Pops", disse Tony, num comentário irônico, a um dos donos da Vertigo antes do lançamento do disco, numa referência ao programa da TV inglesa que lembrava o antigo Globo de Ouro da televisão brasileira, em que os astros populares consagrados dublavam os seus sucessos numa apresentação bem cafona... Mal imaginava Tony que o compacto de "Paranoid" os levaria, justamente, para a sua primeira apresentação diante do grande público inglês na TV, em novembro daquele ano, justamente no... Top of the Pops!!!

Chega outubro de 1970, e Paranoid, o segundo álbum do grupo, é lançado. E que lançamento: o disco praticamente escoa das prateleiras de todas as lojas do mundo para os toca-discos de milhares de fãs no mundo inteiro. Nos EUA, a reação não é diferente, e já sinalizando o interesse que os americanos teriam pela banda, da qual já vinham ouvindo falar através dos rumorosos buchichos da imprensa britânica, consomem Paranoid como se fosse Coke: chega a disco duplo de platina na América, pouco após atingir a mesma posição na Inglaterra, conquistando o nunca antes imaginado primeiro lugar da Billboard. Pronto, o mercado americano estava conquistado. Até o final daquele ano, o primeiro álbum da banda seria lançado também em sua versão americana, e até dezembro, receberia também a primeira posição, e o disco duplo de platina, confirmando a inevitável ascensão do Black Sabbath na terra de Tio Sam - e, por conseguinte, no mundo inteiro. De repente, não havia mais Led Zeppelin, não havia mais Blind Faith, ou Deep Purple. O lance do momento era o Black Sabbath - só se falava neles. Todo mundo comentava era sobre eles. Ozzy, Tony, Bill e Geezer foram à loucura. Aquilo era demais - eles estavam, por assim dizer, realmente no topo do mundo. Datas marcadas em todos os lugares: de Boston a Los Angeles; de Estocolmo a Paris; de Londres a Nova Iorque. Nos palcos, a banda prossegue imbatível, com performances avassaladoras. O dia 20 de dezembro está marcado no Olympia de Paris, com um contrato com a rede de TV inglesa Granada para que o show fosse filmado, focalizando a clássica apresentação da banda, enérgica e visceral, naqueles tempos áureos - o que originaria o filme Black Sabbath - Live in Paris, o primeiro documento visual do quarteto.

Imagem
Como eles, igualmente estupefatas e orgulhosas estavam as suas famílias. Afinal, aqueles quatro garotos maltrapilhos, imundos, fadados ao fracasso e à pobreza, estavam agora em uma posição de inigualável prestígio que gente como eles, da cinzenta Birmingham, nunca sonharia ter um dia.

Ozzy, cada vez mais em Londres com os outros integrantes, e portanto cada vez mais distante de sua querida família, ao saber do êxito de Paranoid nos charts americanos, sai com dois amigos, enche a cara com três doses duplas de White Horse, e liga para seus pais: "Somos reis na América agora!!!". Em seguida, liga para uma atônita secretária dos escritórios da Vertigo, em Londres mesmo: "E aí, amorzinho, que tal sair com o rei do mundo agora? Ah, aproveite e diga aos bundões aí que eles PODEM COMER AQUELE CONTRATO COM A CLÁUSULA DA PRENSAGEM...". Era a bastante peculiar vingança de Ozzy da tal cláusula que previa a reestruturação estratégica do álbum Paranoid caso fracassasse em solo americano...

A tal capa do soldado de espada ainda estava lá, no entanto. Ozzy não deixa por menos e, em uma entrevista concedida após a cerimônia de entrega do disco duplo de platina pelas vendas de Paranoid ele comenta sarcasticamente: "O que diabos um cara vestido de soldado tem a ver com estar paranóico (Paranoid), eu não sei. Acontece que a banda não teve muita interferência no processo de criação da capa do disco, apenas reprovando ou aprovando a arte final. Só que não houve tempo de mudar." A mensagem, entretanto, estava bem clara - bastava ao ouvinte abrir o invólucro de plástico do LP e pôr a bolacha preta para rodar, já ali, em sua primeira faixa. "War Pigs" se tornaria uma das preferidas do público em todos os shows seguintes da banda, e outra presença constante e obrigatória em todas as suas apresentações, fazendo com que até nos esqueçamos que o disco não se chama War Pigs. Black Sabbath, 1 X gravadora, 0.

Imagem
Êxtase em um show do Black Sabbath em Amsterdam (Holanda, 1970).

As tais zicas com seitas satânicas continuavam. Entretanto, em proporção menor. E agora, pelo menos, a atitude da banda já era outra, sem aquela inocência de antes, quando haviam sido pegos de surpresa pelo impacto da fama. Era uma atitude mais madura - para não dizer maliciosa e extremamente sacana, galhofeira. Após um dos shows de lançamento de Paranoid, em Bath, na Inglaterra, por exemplo, Ozzy se retira para as coxias e é interceptado por duas groupies de look devasso, que têm cruzes invertidas inscritas em suas têmporas. Ambas o fitam assustadoramente, com olhares vidrados. Ozzy pensa na hora: "esse maldito speed ainda mata essas meninas uma hora. Pobres coitadinhas, vítimas do ácido...". Uma das garotas lhe dirige a palavra: "Somos duas enviadas da seita de Azrath, de posse do poderoso e glorioso Lúcifer, e estamos aqui, em nome do Senhor das Trevas, para lhe reverenciar, ó astro maravilhoso!". Ozzy dá uma boa olhada para a moçoila, de cima para baixo: belos cabelos, que olhos, que peitinhos... e que ancas, essas pernas maravilhosas... Ele olha para a outra, uma loira apetitosa. O mesmo esquema. Não lhe restam dúvidas. "Pois bem, garotas. Venham comigo para a reverência, então...".

A partir dessa época, não são poucos os relatos de orgias mil na estrada: o Black Sabbath adentra o mundo libidinoso do rock setentista, a ponto de competir com o Led Zeppelin e outras sumidades nesta categoria durante os anos seguintes. Várias "bruxinhas" como aquelas de Bath - invariavelmente tietes loucas de erva ou que topavam tudo para passar algum tempo com seus ídolos - passariam a ser vistas fazendo alguns belos "trabalhos de sopro" em Ozzy antes e após os concertos da banda, nos bastidores. Isso quando o vocalista não resolvia levar duas, três, ou mais delas, para verdadeiros bacanais alucinados em quartos de hotéis. Esse acabou sendo, na esmagadora maioria das vezes, o destino que as tão conclamadas "adoradoras de Satã" que seguiam o Black Sabbath acabaram tendo, ao longo da década de 70.

Imagem
Logo, a banda estaria lotando as principais casas de show da América, como o Fillmore East, de Bill Graham.

Noutra feita, uma garota histérica ligou para o escritório da banda em Londres. Bill atendeu. Ela se dizia uma maga que gostaria de fazer parte da "doutrina sombria" do grupo. "Pois não. Tens amigas que também queiram fazer parte?", perguntou Bill. Positivo. "Venha cá então. O endereço é tal, tal... Ah, e não se esqueça de trazer as velas!". Meia hora depois, dois táxis estacionam na frente do QG montado pela Vertigo para a banda, um após o outro. Deles saltam sete beldades dispostas a tudo. Roupas todas de couro, escuras - "bruxinhas" com pinta de ninfomaníacas. São recebidas por Bill, Ozzy, Geezer, e um assistente de publicidade do grupo, que andava com eles na época. Bill encara uma das garotas e lhe pergunta: "E aí, se lembraram de trazer velas?". As luzes do local são apagadas e apenas luzes de velas iluminam o ambiente, enquanto os quatro vão bolinando as garotas, uma a uma, já quase totalmente despidas, dando início a um verdadeiro "ritual". Bill pega uma vela, uma das mais grossas, e põe na mão de uma das meninas. "Agora mostra aí pra gente... como se enfia direito uma vela no...". Ozzy e os outros ficam alucinados vendo a cena ali, à meia-luz, a garota se masturbando com aquela vela grossa, enquanto as outras boqueteiam todo mundo. Após a "introdução" do culto ali feita, Geezer pega a garota que fez a performance da vela e se retira para um dos recintos, se propondo a desempenhar o papel que fora da vela. Todos riem, dando belas gargalhadas e volumosos goles de Martini. Anos 70, sem dúvida...

A banda desembarca nos EUA e, durante a investida em solo ianque, percorrem Nova Iorque, San Francisco, Los Angeles, Long Island, Cincinatti e Boston, entre outras. Ficam impressionados, especialmente Ozzy e Bill (irmanados na beberragem e na porra-louquice), com o despojamento das groupies americanas, que já vão transando sem qualquer cerimônia. Uma dessas animadas garotas, após fazer sexo com Ozzy em pé, detrás de um amplificador enquanto a banda passava o som para o show da noite, tira da bolsa um baseado grosso como um charuto cubano e o oferece a Ozzy, alegando que é a melhor erva que ele jamais fumou em sua vida. "Uaaaaau!" - o vocalista quase enlouquece com o tamanho e a pureza daquele joint descomunal.

Imagem
Black Sabbath, ao vivo num show em San Francisco (1970): detonando!

Se por um lado, as coisas iam bem no sentido fama-mulheres, o mesmo não podia ser dito do quesito dinheiro. Bem, não exatamente no tocante à parte lucrativa, pois os membros do Black Sabbath estavam a um passo, ou menos do que isso, de se tornarem os novos milionários ingleses do rock. O problema era o empresariamento - uma pedra no sapato da banda durante toda a sua carreira.

Um pouco após o lançamento de Paranoid, Tony é aconselhado por um amigo a pedir de Jim Simpson uma prestação de contas formal de tudo o que já havia sido ganho e gasto pela banda até ali. Ao se deparar com toda a papelada, ele se surpreende ao notar que uma grande parte dos gastos ali descritos com roadies e equipamentos não condizem com a realidade, e mostra as notas a Geezer, que também fica atônito. Então, uma noite, após um concerto em Bristol, os quatro resolvem ter uma reuniãozinha com Simpson para discutir os negócios. A desculpa é a de que querem traçar planos para os próximos discos e turnês - entretanto, Tony, Ozzy, Bill e Geezer já sabem, ao adentrarem com Simpson o pequeno salão do hotel onde estão hospedados, que estão decididos a dispensar os seus serviços, conforme a desculpa que ele dê para o sumiço de uma grande soma de dinheiro dos cofres da banda. O esquema amador - e nebuloso - de agenciamento de Jim Simpson estava agora difícil de ser suportado.

O empresário tenta sair pela tangente várias vezes, e com a sua típica diplomacia ferina e conversa calma, tenta enrolar os rapazes da banda com explicações sobre os custos de se agenciar uma banda como o Black Sabbath - sobre ter que viajar daqui para ali, arcar com despesas de pessoal, manter uma assessoria de imprensa etc. Em suma: além de justificar todo a alta grana que vinha consumindo do income do Sabbath, Simpson ainda aproveita para alertar os rapazes sobre o aumento de sua fatia no bolo, que julgava ser inevitável com o crescente sucesso do grupo! Aquilo revoltou Ozzy, que no final das contas, já não estava mais com a cabeça para tanto papo furado e começou a agredir Simpson verbalmente, iniciando uma pequena confusão. Pelo menos Bill e Geezer ainda mantiveram a cabeça no lugar, e seguraram o cantor, impedindo que ele avançasse em Simpson. Este, irritado, berra com eles: "Vocês nunca vão arranjar alguém como eu!", ao que Tony responde: "Encerrado, Jim. Fim de conversa: você está fora." Até o final de novembro, eles chegariam a um acordo financeiro sobre a saída de Jim Simpson de cena, com a ajuda de advogados. O empresário, no entanto, ainda acabaria levando a banda à corte no ano seguinte, alegando ter sido prejudicado nas negociações. Era só o começo das longas dores de cabeça que o Black Sabbath ainda teria por causa não do heavy metal, mas do vil metal.

São contratados, então, para cuidar dos negócios da banda, Patrick Meehan e Wilf Pine, dois profissionais que já haviam trabalhado com diversas bandas pop e rock inglesas, e que eram conhecidos do pessoal do Savoy Brown, uma banda de blues pesado de quem Ozzy e cia. haviam ficado amigos desde uma digressão conjunta, ainda no início de 1970, em Edmonton. O audacioso Meehan seria um dos responsáveis por tornar conhecido, no mundo do rock, o esquema "Black Sabbath" de se trabalhar: turnês incessantes e intermináveis, o direcionamento total de interesse nos álbuns, relegando singles a um plano inferior (assim como o Le zeppelin fazia), e a promoção baseada na imagem satânica da banda, mas não de um modo explícito, escancarado - mas sim, simplesmente sugerido, o que se pode notar a partir dos trabalhos gráficos do logo da banda e da capa de Sabbath Bloody Sabbath, de 1973.

Imagem
Cartaz do show do grupo em San Francisco - tocando ao lado de feras como Love e James Gang.

Uma das primeiras atitudes de Meehan ao assumir o cargo é providenciar alguns promos para o Black Sabbath, os chamados "vídeos promocionais", que seriam os avós dos videoclips como hoje os conhecemos - pequenos filmes com imagens da banda tocando alguns de seus sucessos, para serem veiculados pelos grandes canais de TV de todo o mundo. Uma idéia arrojada para a época, bancada apenas pelos astros de música que tinham mais dinheiro, mas já bastante eficiente para um artista se fazer presente em terras bem além de suas fronteiras, onde dificilmente teria chances de ser chamado para tocar. Como sustentava Meehan, a divulgação da imagem de um grupo é algo importante - o que ficaria claro com a gravação do show em Paris no mês seguinte, ainda que em esquema amador, com câmeras Super-8. Logo após a apresentação do Sabbath tocando "Paranoid" no Top of the Pops do canal da BBC, que teve uma excelente audiência no Reino Unido, Meehan escolheu duas canções do álbum para produzir os clipes: a própria "Paranoid" e a fantástica "Iron Man" - uma canção inspirada em contos de ficção científica que, com seu riff cortante, falava sobre a incrível saga de um homem que prevê o apocalipse e, após ser desprezado por todos à sua volta, domina o mundo e se revela o próprio causador da destruição. Poucos sabem, mas a idéia original de Tony ao compor "Iron Man" era a de se produzir, em cima da canção, uma verdadeira ópera rock, aos moldes de Tommy, do The Who, ou a suíte Atom Heart Mother, do Pink Floyd. A idéia, no entanto, diante do gritante desinteresse de Ozzy, bem como da gravadora, não vingou.

No final de novembro, então, são exibidos em rede nacional, na Inglaterra, Alemanha e nos Estados Unidos, os vídeos promocionais de "Paranoid" e "Iron Man", em diversos programas de variedades e musicais. Ao assistirem ao resultado, os integrantes da banda se surpreendem: exibidos até os dias atuais na MTV e conhecidos como "os clipes psicodélicos do Black Sabbath", os vídeos haviam sido gravados com a então novíssima tecnologia do vídeo-tape, e mostram a banda tocando sobre um fundo repleto de imagens lisérgicas em movimento, como banhos de cores e uma modelo de feições andróginas, bem ao estilão da época. Ozzy veste roupas de couro, enquanto Bill esmurra um kit-miniatura de bateria que causa risos e espanto nos que hoje assistem a estas "jóias". Apesar da reação inicial de estranhamento ao acabamento dos clipes, que nada têm a ver com o que as letras das músicas falam (bem, "Penny Lane" e "Strawberry Fields Forever", dos Beatles, também não tinham!), Ozzy dá o seu aval e comenta com Geezer: "Legal. Imagina só a bela trip que os pirralhos por aí podem ter assistindo a isso após umas belas tragadas...".

Em dezembro, se dá o histórico show em Paris eternizado no filme Black Sabbath - Live in Paris (até hoje, distribuído como um pirata), em que um alucinado Ozzy celebriza, para o mundo inteiro, o headbangin' como expressão corporal típica do rock pauleira e eles tocam, em uma sequência tonitruante e perfeita, todos os seus clássicos, levando o público francês ao êxtase absoluto, e após isso, passam todo o início do ano seguinte, 1971, dando mais uma rodada pelos EUA, numa tour fenomenal e de bilhetes esgotados, apenas posteriormente voltando à Inglaterra para iniciar os trabalhos do próximo álbum. Como se percebe, a máquina não pode parar - e com Patrick Meehan no comando, ela girará ainda mais depressa, levando os rapazes da banda ao quase esgotamento físico-emocional.

Imagem
Bill Ward live.

Abril de 1971: de volta aos estúdios da Regent Sounds em Londres, os quatro integrantes da banda começam a ensaiar as canções para o que seria o próximo álbum, que dura ainda mais tempo que os outros para ser produzido: aproximadamente uma semana! Apesar de ainda estarem sob a produção de Roger Bain, chama a atenção o fato de Tony e seus asseclas estarem bastante conscientes acerca de todos os processos de gravação e já haverem acumulado algum bom conhecimento sobre o que está sendo feito, sabendo absolutamente o que querem, e a ordem estava dada: aquele era para ser o mais pesado álbum da banda já gravado até então! Tal direcionamento se devia não somente à overdose de shows e êxtase em público pelos quais o grupo estava passando, fazendo com que quisessem retratar fielmente em vinil todo o peso e loucura do som deles, como também se devia ao ritmo intenso e inesgotável da vida deles, assim restando aos rapazes optarem por um som, no disco, extremamente simples e despojado, direto. Sem dúvida, é essa a sensação que temos ainda ao ouvir o 3º disco do Black Sabbath, até hoje.

Algumas novas composições são notáveis - sobretudo uma nascida de uma idéia bastante crítica de Geezer e Ozzy, de como a "tia marijuana" andava tomando conta das mentes de todos por ali... "Sweet Leaf" nascera de um riffzinho bacana que Geezer havia urdido em seu baixo, e que Tony logo tratou de refazer em sua guitarra. E como um dia Ozzy, baratinado com o alto consumo de maconha entre todos, vira Bill Ward adentrar os estúdios da Regent Sounds com uma nuvem rodopiando ao redor de sua cabeça - resultado da erva que Bill ou que o próprio Ozzy estavam fumando! -, ele resolveu escrever algo a respeito, mas em tom bastante irônico, como se fosse uma love song que, só no último momento, o ouvinte desavisado consegue relacionar à tal folhinha.

O interessante é que, durante as gravações, enquanto o grupo ainda estava tocando versões experimentais da música para treinar, o tape foi deixado rodando, e por acidente, foi gravada uma brutal tosse de Tony Iommi próxima ao microfone de Ozzy - resultado não do consumo da própria "erva doce", como muitos fãs insistem em relatar atualmente, mas, simplesmente, de uma forte gripe que o guitarrista estava enfrentando, naqueles frios dias do início de 1971 em Londres. Depois do término das sessões daquele dia, ouvindo o resultado do que havia sido gravado, o engenheiro de som Brian Humphries chamou a atenção de Ozzy para a tosse de Tony no meio da jam e achou a sonoridade legal, sugerindo separá-la, colocá-la mais alto e como se fosse uma espécie de efeito para "Sweet Leaf". "Tem tudo a ver com a música", dizia Ozzy, rindo. No dia seguinte, quando Ozzy e Tony chegaram ao estúdio, eles se depararam com o resultado: um rápido loop de dois segundos da tal tosse que o engenheiro de som havia produzido, e que poderia ser usado no início ou no fim da gravação. Tony gostou da idéia, e após algumas gargalhadas, optaram por colocar o "coff coff" como uma introdução da canção, preparando o espírito do ouvinte para o que viria depois.

Outras canções interessantes figurarão no novo LP. "Children of the Grave" é outra importante declaração política da banda, sobre o destino das crianças do mundo após uma hipotética guerra nuclear (fruto, obviamente, do fantasma da Guerra Fria, que ainda rondava o mundo). "After Forever", composição de Tony, é uma crítica direta a todos que relacionam a banda diretamente ao satanismo, tentando mostrar que o Black Sabbath não se resume a isso (ainda que seja o que Patrick Meehan queira...). A letra, de teor bastante religioso, faz inclusive uma ácida observação acerca de todos aqueles falsos cristãos que se escondem atrás da hipocrisia ("Is Christ just a name that you read in a book when you were at school?" / Cristo é apenas um nome que você viu em um livro quando você estava na escola?; ou "They should realize before they criticise that God is the only way to love" / Eles deviam imaginar antes de criticar que Deus é o único caminho para o amor). A faixa, inclusive, irá despertar bastante polêmica novamente na relação do Black Sabbath com grupos religiosos, como ainda veremos adiante.

Imagem
Ticket do show do Black Sabbath no lendário Royal Albert Hall (Londres, 1971).

Outro excelente momento do álbum será a faixa "Into the Void", que deu um trabalho imenso para ser gravada, tendo consumido um dia inteiro de trabalho dos seis dias que o Black Sabbath gastou para gravar o disco. Tudo por causa de Bill, que primeiro não conseguia de modo algum acertar o tempo da canção, e depois, se atrapalhou todo nas viradas antes do solo de Tony. O baterista, traumatizado a partir de então, dificilmente se arriscaria a tocar esta canção ao vivo e, surpreendentemente, abriu uma exceção recentemente, em 1999, quando do retorno do Black Sabbath, tocando-a novamente nos shows da turnê Reunion, em Birmingham, e não decepcionando...

Na verdade, grande parte da dificuldade de Bill em estúdio, nesta época, acontecia devido ao problema do baterista de se envolver demais com os seus vícios. Desligadão na maior parte do tempo e tendo dificuldades para se concentrar em certas sessões, Bill começou a ser encorajado pelos outros membros da banda a parar um pouco com a loucura e se sintonizar mais... pelo menos até a próxima noitada com Ozzy! O próprio vocalista, inebriado com o clima de loucura constante e excessos pelo qual a banda atravessava naqueles dias psicodélicos, deu a "Solitude", uma balada em tom depressivo composta por Geezer, uma performance totalmente incomum aos seus típicos vocais insanos e desesperados, límpida e bastante sensível, emoldurando o clima triste e desolador da música, o que levou centenas de fãs do grupo a pensarem, ao longo de vários anos, que na verdade tratava-se da interpretação de outro integrante da banda, de tão diferente que a voz de Ozzy estava. Gravada em uma noite totalmente zen - após meia dúzia de joints mágicos, tragados até o fim! -, terminou por estabelecer uma "ponte direta" entre a trip de seu intérprete e a de seus ouvintes, se tornando uma das músicas do Sabbath mais ouvidas por fãs "doidões" de erva ao longo dos anos 70.

Enquanto isso, o LP Paranoid já estava atingindo a marca dos 4 milhões de cópias vendidas só nos EUA! Além da súbita unanimidade, o Sabbath ainda se depararia com outra surpresa: o coração de seu fanfarrão vocalista, quem diria, havia sido flechado...

No próximo capítulo: em meio a toda a confusão, Ozzy ainda arruma tempo para o seu primeiro casamento, o grupo acaba assumindo os EUA como o seu segundo lar (onde será gravado o Vol. 4), e acontecimentos escabrosos ainda rondam um tenso e fadigado Black Sabbath... Confira!!!


http://whiplash.net/materias/sabbath/000340-blacksabbath.html


'Ele agarrou minha perna', conta jovem que encontrou 'ET' no Panamá





Os adolescentes panamenhos que teriam encontrado e matado uma criatura estranha em Cerro Azul, no Panamá, relataram a um canal de televisão local como foi o contato com o bicho.

O ser não identificado é apontado como extraterrestre, mas pode ser apenas um animal ainda não catalogado pelos biólogos ou com problemas de formação.

"Ele agarrou minha perna", conta um dos cinco adolescentes, que estavam em torno do lago, no sábado (12), quando viram uma criatura bizarra saindo de uma gruta.

Assustados com sua aparência e com medo de serem atacados, os jovens atiraram pedras até matá-la e a jogaram na água. "Ficamos muito assustados", explica outro garoto. "Não sabíamos o que fazer, e acabamos nos apavorando", diz.

A notícia logo se espalhou pela cidade. Retirada do lago, a criatura foi apontada como um "ET" por moradores da região e pela imprensa local.Outros a descreveram como o personagem "Gollum", da trilogia "O senhor dos anéis".
foto: Reprodução/Canal 13/Telemetro.com
i
iJovens narram encontro com 'Gollum' no Panamá: 'ele agarrou minha perna', conta uma das testemunhas
Ouvido pela rede de jornalismo Telemetro, o especialista em vida silvestre do órgão nacional de meio ambiente Melquiades Ramos disse que o caso está sendo investigado e que as características da criatura são "muito peculiares".

Nesta terça-feira (15), foi encontrado no local um animal sem cabeça, que seria um bicho-preguiça. Ainda não se sabe se há alguma relação com o caso do ser encontrado no fim de semana.

18/09/2009 - 19h14 ( - gazeta online)

http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2009/09/536307-ele+agarrou+minha+perna++conta+jovem+que+encontrou+et+no+panama.html

sábado, 12 de setembro de 2009

Parte 04 - Voz num Pedaço de Plástico

Sexta-feira 13: dia do azar? Não para a maior banda de heavy metal do mundo... Um espetacular golpe promocional e muita polêmica marcam o lançamento de um disco que iria abalar todas as estruturas do rock como forma de arte popular, chamando a atenção de fãs, críticos furiosos, jornalistas, e certos grupos radicais que ainda iriam dar muita dor de cabeça aos 4 rapazes de Birmingham. E os EUA já começavam a ficar de olho! Dali para a eternidade, agora, era só um passo. Do interior da Inglaterra para Londres e o mundo; do inferno para as alturas: assim foi o Black Sabbath no início do ano de 1970.


Parte 4 - Voz num Pedaço de Plástico

O primeiro registro em LP de uma das maiores bandas de heavy metal do mundo não gastou mais do que 1.200 dólares (na época, o equivalente a uma mixaria: 600 libras inglesas) e três dias em um pequeno estúdio alugado pela Vertigo para ser finalizado. Esta pequena grande obra-prima do rock, sumarizada em apenas 7 faixas (se você não contar "Wicked World", que apenas recentemente, com o advento do CD, seria incluída como bonus track), foi o resultado de sucessivas jams em estúdio feitas com o intuito de aprimorar e dar um acabamento final a várias canções e idéias que o Black Sabbath já vinha até mesmo apresentando em shows, ou ensaiando repetidamente, até encontrar um tom certo, ou a letra ideal. Recentemente, fãs do mundo todo puderam ouvir, em uma coletânea lançada por Ozzy Osbourne em carreira solo, Ozzmosis, as versões originais de músicas como "N.I.B." e "Behind the Wall of Sleep", oriundas de demos gravadas naqueles dias históricos, que são dois dos clássicos presentes no disco. Para a introdução da sorumbática "The Wizard", por exemplo, o clima de total improvisação nos estúdios levou Ozzy a surrupiar a gaitinha de um dos funcionários do local e assoprá-la desleixadamente, a ponto de Geezer e Tony gostarem do som e o pedirem para incluí-lo na música. E, tirando o pau absoluto que é a música-título, aquele hino eterno que batizou a banda e que sempre foi presença cativa em qualquer show que eles dessem, a conclusão do álbum é composta de dois momentos bem típicos do início de carreira jazz-bluesístico da banda: "Sleeping Village" e "Warning" eram duas viagens que eles já vinham tocando muito ao vivo, e que faziam parte dos longos momentos de improvisação nos palcos - ou porque Ozzy já estava muito bêbado e cansado, e precisava se recompor um pouco, ou porque o repertório não era muito extenso mesmo, e não estava lá essas coisas.

De qualquer forma, para a platéia mais purista e radical do Black Sabbath, o som destes primeiros registros sempre será o mais preferido entre todos, e o que melhor tiraram: a inexperiência do grupo em gravações e o senso novato de experimentalismo de Roger Bain (que produziu as sessões e os acompanharia nos discos seguintes, tornando-se um dos membros da "máfia" da banda) deu luz a um polimento cru e estilizado que ainda não tinha precedentes na história do rock, gravado amadoristicamente dentro de 8 horas em duas antiquadas máquinas de 4 canais! Tudo bem que grupos como Cream, Led Zeppelin e Jimi Hendrix Experience já estavam delineando uma equalização mais clara para baixo-guitarra-bateria - mas ninguém os havia feito soar tão secos e primais como Bain e o Sabbath naquele petardo gravado em fins de 1969. Para o caro leitor ter uma idéia do que eu estou falando, experimente pôr "Black Sabbath", a música, para rolar exatamente na parte em que ela fica mais pesada, e contraste a aparição da guitarra e do baixo nesta gravação com as aparições dos mesmos instrumentos em outros clássicos do mesmo período, como "Dazed and Confused", do Led Zeppelin, ou "Born to be Wild", do Steppenwolf (ambos sendo os grupos heavy que mais estavam fazendo sucesso na época). A mixagem é bem mais radical - a ênfase nas distorções é outra coisa. O conceito de gravar o rock pesado mudou totalmente com o primeiro álbum do Black Sabbath, não havendo como negar que muita gente na Londres da época - e, por conseguinte, no resto do mundo - ficou boquiaberta quando retirou o vinil preto de sua embalagem macabra e o colocou em contato com a agulha do toca-discos. Obviamente, a maioria das reações, como veremos logo a seguir, seria da maior negatividade possível, exatamente por causa de tamanha estranheza.

Imagem
Um breve descanso no Hyde Park de Londres (1970).

Finalmente, após alguns dias de discussão com Jim Simpson e membros da Vertigo Records, ficou definido qual seria o primeiro compacto a ser lançado, para puxar as vendas do LP: iria conter "Evil Woman (Don't Play your Games with Me)", um cover de Wegand-Waggoner que era um sucesso pop nos anos 60. Já uma das preferidas da banda, "Wicked World", seria relegada a um medíocre lado B no compacto. Resta dizer que, como os executivos da gravadora pressionavam Simpson e os rapazes para que ao menos UMA cançãozinha mais pop fosse gravada para o álbum (que já ia ter tanta coisa pauleira e fora da estética "paz e amor" daqueles tempos), Ozzy e cia. gravaram bem que a contragosto "Evil Woman", e mesmo numa performance desanimada - ainda hoje, pode-se ouvir, especialmente na edição remasterizada digitalmente do álbum, como Ozzy praticamente "mastiga" as letras, resmungando-as sem muita empolgação, e Tony realiza um dos mais soporíferos solos de sua carreira, contribuindo para quebrar totalmente o clímax da faixa. Ainda como uma doce vingança, e em atitude de real protesto, pois não queriam mesmo gravar a tal música, o Black Sabbath jamais a tocaria ao vivo, detonando sempre "Wicked World" em todas as apresentações, e toda vez que algum fã abria a boca para pedir "Evil Woman", nem sequer davam muito ouvido a tal requerimento.

Imagem
Uma das fotos promocionais tiradas para o lançamento do primeiro LP (1970).

Pois bem. Foi dito logo atrás, e já por muitos sugerido, em inúmeras outras biografias da banda e artigos sobre eles, que o mundo, no final de 1969 / início de 1970, estava absolutamente despreparado para o impacto do Black Sabbath: a proposta estética do grupo, o som, as letras etc. Até os próprios homens dentro da Vertigo, em sua maioria, torciam o nariz para o que o grupo estava fazendo - lembremo-nos que era ainda final dos anos 60: Woodstock tinha acabado de rolar, o princípio do prazer da filosofia bicho-grilo estava em alta, era tudo na base do slogan "paz e amor", a Era de Aquário e o homem pousando na Lua, tudo parecendo querer anunciar uma nova fase para a humanidade, com o homem no centro de grandes revoluções mentais que, a bem ou mal da verdade (violentos protestos estudantis, drogas e o sangrento festival de Altamont, dos Rolling Stones, estavam no meio do caminho...), pretendiam trazer uma nova concepção de sociedade, mais harmoniosa, a todo o globo terrestre. Pelo menos era isso que grande parte da mídia da época, completa e lisergicamente desbundada com os novos acontecimentos (ou happenings, um termo tão caro a uma década de tantas inovações) parecia querer transmitir. Salvo alguns casos isolados aqui ou ali, de vozes mais inconformistas que não acreditavam que a roda da História teria seus rumos mudados por meio de tanta "festa" e libertação, o clima da época era, realmente, o das letras dos Beatles em "All You Need is Love" e "Yellow Submarine". Inclusive, para os membros das grandes gravadoras e conglomerados da comunicação, as indústrias do entretenimento, que, com a maior paz e amor também, enchiam seus bolsos com todo este movimento...

Imagem
Registro dos ensaios para a gravação do primeiro disco: Ward discute com os companheiros o ritmo de "N.I.B." e "Behind the Wall of Sleep".

Acontece que - e aí deve-se notar a grande importância de bons empresários no ramo da música - a capacidade de persuasão de Jim Simpson foi vital na hora de apostar na credibilidade da proposta macabra e soturna do Black Sabbath dentro da Vertigo, convencendo muitos lá dentro (inclusive os mais empedernidos "executivos hippies" da gravadora, mais fãs de jazz, música folk e progressiva do que tudo) de que era algo novo a ser tentar e extremamente válido. Foi neste contexto que foi urdida a também histórica e imprescindível capa do disco: a lendária bruxa que sai de sua casa mal assombrada, caminhando em meio a um bosque noturno!

O interessante é que a arte de capa ainda traria um notável detalhe, presente apenas nas primeiras edições, originais, do vinil, e sobre o qual o Black Sabbath, surpreso, não havia nem sido consultado: a figura de uma cruz invertida, na contracapa do disco, com o tétrico poema tradicional "Still Falls the Rain", inscrito no corpo da cruz - uma propaganda pra lá de convincente da postura satânica da banda que nem Simpson esperava conseguir dos empresários da Vertigo! Na verdade, após alguns meses negociando com o grupo, a gravadora havia finalmente se decidido a apostar na tal tendência de "horror" deles. Pode ser que muito mais como um lance kitsch mesmo, na base da brincadeira, soando como um divertido filme B que chamaria a atenção de todos - mas o importante é que colou. E como colou.

Segue a íntegra do poema colocado na inscrição da cruz invertida, para se ter uma idéia da imagem do Black Sabbath que estava sendo exposta ao grande público. Este poema seria retirado da contracapa do disco nas edições seguintes:


"AINDA CAI A CHUVA"
Os vestígios da escuridão se amoldam às árvores escurecidas
Que, contorcidas por uma violência desconhecida
Deitam suas folhas cansadas, e dobram seus galhos
Frente à Terra decadente, repleta de asas de pássaros

Entre as folhagens, cães sangram diante da morte gesticulante
E jovens coelhos, nascidos mortos em armadilhas
Permanecem imóveis, como se guardando o silêncio
Que ecoa e ameaça engulir
Todos aqueles que se atrevem a escutá-lo

Pássaros mudos, cansados de repetir os horrores de ontem
Gorjeiam juntos no recesso das colheitas malditas
De cabeças retornadas dos mortos,
Do cisne negro que flutua desvanecido em uma pequena poça na choça

Dali emerge uma inebalável e misteriosa bruma
Que traça seu caminho em direção a circundar os pés
Da estátua degolada de um máritr
Cuja única realização foi morrer muito cedo,
E que não poderia esperar a derrota

A catarata da escuridão se forma densa
E a longa noite macabra se inicia,
Ainda perto da lagoa, uma jovem garota espera,
Ainda que ela acredite ser ela mesma etérea
Ela sorri tenebrosamente ao tocar de sinos distantes,

... E a chuva continua caindo.

Como se pode perceber, foi uma obra escolhida a dedo pelo pessoal da Vertigo para incrementar o LP, e que tinha TUDO a ver com a faixa-título do disco, propiciando o clima ideal para que qualquer roqueiro desavisado que se atrevesse a escutar "Black Sabbath" sentisse aquele frio na espinha... Além disso, como de praxe no rock a partir dos anos 60, a notória capa da bruxa foi de um êxito incrível ao não apenas dar um suporte visual à postura da banda, como também a incrementar as rodas de discussão sobre mensagens ocultas em capas de álbuns de rock - fãs do grupo, entorpecidos de ácido, "viajaram" na tal ilustração, e passaram a espalhar, aos quatro cantos, que era só prestar atenção e, como nas famosas imagens tridimensionais, você poderia ver figuras fantásticas e criaturas fantasmagóricas no bosque da bruxa. Uma lenda que só ajudou ainda mais a fama do Black Sabbath e que se perpetua até hoje, ainda que muitos desesperados tenham que apelar para lupas nestes dias atuais de minúsculas capinhas de CD...

Lançado em plena sexta-feira 13, do mês de fevereiro de 1970 (isso todo mundo já sabe...), o primeiro disco do Black Sabbath fez mesmo história. E não apenas pelos diversos fatos polêmicos que geraria e nem pelo impacto da novidade, mas também por fatores extremamente comerciais: quem diria que aquele disco, precariamente produzido e definido, por certos críticos musicais de então, como "música primária, feita por e para macacos", iria simplesmente desbancar das paradas inglesas o último álbum dos Beatles, o póstumo Let it Be, que já vinha há seis semanas na liderança absoluta? Pode parecer brincadeira, mas foi o que realmente aconteceu. E você pode imaginar a cara de Ozzy - um ex-fã babão de Beatles cujo destino parecia ser o de mendigo ou batedor de carteiras - quando a gravadora deu a notícia a ele e seus colegas.

Imagem
Black Sabbath (1970) - o primeiro LP.

Apenas alguns dias antes, ele havia chegado em sua casa, em Birmingham, parecendo o Coringa, inimigo do Batman: mais sorrindo do que tudo, as pontas da boca indo até as orelhas, carregando uma das primeiras cópias prensadas do álbum Black Sabbath, para mostrar à sua orgulhosa família. Já entrou para o reino da mitologia pop a frase que ele falou assim que abriu a porta: "PAI! MÃE! Olha só: É MINHA VOZ NUM PEDAÇO DE PLÁSTICO!!!" (apesar da lenda dizer que ele ligou para sua mãe e, por telefone, disse algo parecido). Após as risadas de praxe, seguiu-se a surpresa... e, é óbvio, a perplexidade, que parecia marcar tudo que o Black Sabbath fazia naquele tempo. Ao colocar o disco na vitrola para ouvir, o pai de Ozzy começou a ficar encucado com a voz do filho na gravação - ele não a reconhecia em momento algum. Primeiro, levantou-se da poltrona, foi até o aparelho e o observou detidamente, para ver se não estava com nenhum defeito de rotação. Olhou, olhou... e depois virou a cara para um desconcertado Ozzy e, em um típico tom zombeteiro, perguntou-lhe: "Você tem certeza que anda fumando só cigarros?". Apesar do tom de galhofa, era uma evidente premonição: se desdobrando em gigs intermináveis por toda a Inglaterra e outros países da Europa, como Alemanha, Suécia, Dinamarca e Holanda, em franco e crescente sucesso, Ozzy e cia. já começavam a travar contato com as substâncias químicas que os fariam perpetrar verdadeiras loucuras nos anos seguintes, direto do submundo dos backstages.

Por outro lado, nem tudo eram risos e deboche: Geezer Butler, na opinião de seus familiares, retornando para casa após a gravação do disco e alguns shows para promovê-lo, não parecia estar tão alegre ou satisfeito. Só que muito mais por problemas de convicção íntima e de ordem religiosa do que por qualquer outra coisa: o baixista, já bastante ligado em misticismo desde antes de sequer ouvir falar em Tony Iommi ou Ozzy Osbourne, e principal responsável pela mudança do nome do grupo, andava bastante "amarelado" com a imensa projeção que a aura de "magia negra" em torno de sua banda começava a tomar - um problema que iria aumentar em torno dos meses e anos seguintes em proporções estratosféricas. Sempre que um muito sério Geezer comparecia a shows e ensaios da banda e Ozzy o fitava na cara, a partir de então, não faltavam motivos ao vocalista para fazer piadinhas sobre Geezer: "Geezo inventou esse nome, mas agora fica aí se cagando de medo, hahahahaha...". Entretanto, as coisas ficariam tão sérias a partir do sucesso do primeiro disco do grupo, que logo todos os seus quatro membros começariam a ficar arrepiados.

As estórias ao redor do Black Sabbath nestes seus primeiros anos de prestígio e desbravamento do gênero "heavy metal satânico" são tantas e tão fantásticas que seria realmente preciso um livro só, inteiro, para relatar todas elas. Mas vamos tentar resumir tudo aos principais fatos.

Logo a partir dos primeiros shows que marcaram o lançamento do álbum Black Sabbath, um sem-número de pessoas vestidas de preto e ostentando enormes cruzes invertidas penduradas no pescoço começou a marcar presença com constantes aparições nas platéias, como se fosse um verdadeiro movimento. Inicialmente, o fato passou desapercebido pelos membros e empresário do Black Sabbath - entretanto, no decorrer das numerosas e bem-sucedidas gigs que se seguiriam, estas misteriosas figuras começariam a ser notadas. Sobretudo, em certos momentos: na execução ao vivo de "N.I.B.", por exemplo, até hoje um dos maiores hinos do Sabbath, no momento em que Ozzy cantava "My name's Lucifer / Please, take my hand" (Meu nome é Lúcifer / Por favor, tome minha mão), flashes de rostos ensandecidos em exaltação e berrando alucinadamente, com punhos levantados, começariam a se destacar no meio de público. Em uma reação anormal e cada vez mais estereotipada, também eram percebidos vociferando imprecações ao belzebu em meio a números como "The Wizard" ou a própria "Black Sabbath", especialmente no momento em que Ozzy se atrevia a repetir aquela famosa risada em tom diabólico que marcava um dos momentos lentos da canção. Certa noite, Tony inclusive comentou com Simpson, após uma apresentação em Kiel, em uma das noites do "Progressive Pop Festival" que lá estava ocorrendo: "Acho que estamos sendo levados a sério um pouco demais." Logo, tais suspeitas iriam ser mais do que confirmadas.

As datas marcadas não paravam: de uma só vez, fariam todo o circuito nobre do showbiz europeu, com apresentações no Marquee (ao lado do Gentle Giant em uma noite histórica), no Mothers Festival de Edinburgh, no Arts Centre de Cardiff (onde, já com um nome em alta, se redimiriam depois daquele fiasco de início de carreira), no Dunstable Civic de Essex e, logo mais adiante, no segundo semestre daquele ano, já estavam confirmadas duas apresentações no célebre Olympia, em Paris (performance esta que seria eternizada como um dos primeiros shows filmados do grupo). Não importava aonde fossem: onde quer que estivessem tocando, lá estavam as seitas ocultistas com os mesmos olhares vidrados, as mesmas roupas e cruzes de cabeça para baixo, prestando homenagens especiais ao som da banda em meio a toda a ovação geral. Conforme relatado no capítulo anterior, o final dos anos 60, com seu espírito libertário de novas tendências místico-religiosas e experimentalismos, havia abrido uma brecha virtuosa para que estilos de vida alternativos, indo contra os padrões estabelecidos, proliferassem. E se por causa disso tantas seitas satânicas despontavam, principalmente na Europa, agora, que surgia uma banda que tratava abertamente de temas melindrosos, como a presença do demônio sobre a Terra, e as influências de bruxos, magos e forças ocultas em plena ação no cotidiano, parecia que tudo se encaixava. Em suma, o Black Sabbath passava a ser tido como uma trilha sonora ideal para tal movimento!

Apesar de todos os calafrios que isso pudesse causar à primeira vista, um mérito deve ser dado aos satanistas que começaram a seguir o Black Sabbath aonde quer que fossem: foram eles os primeiros responsáveis pela projeção da banda na mídia e nas grandes manchetes da imprensa pois, até então, estavam restritos ainda somente às fiéis e numerosas hordas de fãs particulares, ao mesmo estilo de outra banda cult da época, o Led Zeppelin. Em maio de 1970, um artigo publicado no semanário musical Sounds, de Londres, chama a atenção para uma jovem bruxa, não identificada, que vai a todos os shows do Black Sabbath, os perseguindo por toda a turnê, pois os considera "guias espirituais" e "pregadores da palavra de uma nova ordem". Logo outras matérias na imprensa pipocam, atraindo amplamente a atenção de todo o Reino Unido e, por conseguinte, da Europa. Já em junho, em outra nota publicada no caderno de música de de um jornal especializado, o Disc, o correspondente Mark Stevens relata com galhardia o clima em torno da participação do Black Sabbath no famoso programa de rádio de John Peel, da BBC:

"Havia um sem-número de jovens senhoras do lado de fora dos estúdios Paris (onde o programa era gravado) aguardando a aparição dos "cavaleiros das trevas", e que me contavam, animadamente, que as cruzes invertidas desenhadas em suas testas eram uma indicação perfeita de como elas eram devotas do diabo. De revolucionárias de fim-de-semana a devotas do diabo de fim-de-semana... pode imaginar? No espírito da pesquisa que motiva cada movimento que faço em busca da notícia, irei entrevistar uma dessas devotas do diabo para esta coluna na semana que vem. E quem sabe ela tenha um "Eu amo Belzebu" tatoado nela? Descubra na próxima semana, aqui na DISC."

De uma forma irônica, Stevens relata a diferença entre o espírito revolucionário do final dos anos 60, em que protestos estudantis e hippies apareciam a toda hora (a referência a "revolucionários de fim-de-semana" ) e o espírito sem rumo dos novos tempos, em que a tônica parecia ser a divisão da juventude em grupos com interesses específicos, como o satanismo ("devotas do diabo de fim-de-semana"), nos dando um belo retrato daquela geração e da época em questão: a ascensão mal-assombrada do Black Sabbath ao topo da música pop.

Bem, poderia ser a maior propaganda negativa que um grupo de rock já tivesse conseguido - nem os Rolling Stones, com a sua "Sympathy for the Devil", de 1968, anos-luz mais ingênua que os sons do Sabbath, haviam chegado perto disso. Mas era propaganda: e passou a veder bem, no melhor estilo "falem mal, mas falem de mim". Logo, foi preparado o lançamento do primeiro álbum nos EUA - o Black Sabbath estava prestes a fazer a sua "invasão britânica". E, em meio a todos os boatos em torno da magia negra que girava sobre a banda, o disco Black Sabbath chegaria às lojas americanas com uma bela campanha promocional da Vertigo, sustentada pelos buchichos das revistas musicais inglesas, e vendendo muito bem para uma banda estreante. No final de 1970, chegaria a 5.º lugar na Billboard. Só um pequeno detalhe: no velho estilo conservador americano, a capa da bruxa havia sido barrada, e as primeiras tiragens americanas do disco sairiam com uma capa escura, só com uma cruz , o nome da banda e das músicas. Apenas nas reedições dos anos seguintes é que os americanos conheceriam o trabalho de arte original do LP.

Imagem
Promo da banda tirado em agosto de 1970 - eles se preparavam para entrar em estúdio para as gravações do segundo álbum.

Enquanto isso, para a banda, a barra começa a ficar cada vez mais pesada...

Em uma tranquila noite de agosto, após tocarem para um público de 1.200 pessoas em Leicester, o empresário Jim Simpson recebe, em seu escritório, um misterioso telefonema de uma senhora que se intitula "Madame Svetla". De forte sotaque germânico, a tal Mme. comenta o quão excitante é o som do Black Sabbath e como a performance dos rapazes é insuperável, logo se pronunciando a líder de uma seita satânica que gostaria muito de tê-los tocando em um evento a ser promovido - uma espécie de encontro em Hamburgo dali a um mês, uma reunião de grupos ocultistas de várias partes do mundo. Em outras palavras, uma "convenção de bruxos" mesmo. Simpson fica meio espantado com o tal convite, mas como empresário que é, se prontifica a contatar o grupo para marcar a data. E quem disse que eles topariam ir...

Geezer é o primeiro a esbravejar com Simpson. Irritado, o baixista argumenta que "esse negócio já está indo longe demais", seguido por Tony. Bill fica mais na dele, mas perguntado, mostra também certo descontentamento em aceitar a proposta. Ozzy, assustado com aquilo tudo, e um pouco travado por causa de inúmeros brandies que ele vinha bebendo com Bill desde a passagem de som à tarde, se limita a dizer: "É, não acho que seja legal." Para meninos pobres de Birmingham, vindos de um lugar conservador e humilde como aquele, era uma idéia que realmente soava um pouco forte demais à primeira vista - serem levados a sério como porta-vozes dos adoradores do diabo! A bem da verdade, tinham todo um visual desleixado (roupas, cabelos, barbas e bigodes) típico da época, mas nem bichos-grilos eles eram! "Acho que nossa música é uma reação a toda essa merda de paz e amor que ficam falando por aí. Se você olhar bem, o mundo não é bem isso!", havia dito Ozzy, em uma de sua primeiras e famosas declarações abertas, na semana de lançamento do primeiro LP.

Diante da recusa da banda, noticiada por Simpson a Mme. Svetla, o inferno estava traçado. Possessa (sem trocadilhos!), a bruxona mandou ver uma terrível maldição a todos os membros da banda, primeiramente passada por telefone a Simpson mesmo, e posteriormente, aos seus próprios integrantes, já que seguidores da seita descobriram seus números de telefone e passaram a ligar incessantemente. Diziam que todos eles iriam morrer em acidentes horríveis na estrada. Que perderiam para sempre o talento para fazer música. Que seriam abatidos por desgraças terríveis - familiares, inclusive. Em suma, que iriam muito brevemente encontrar a danação total, por haverem tido coragem de recusar tal oferta de renderem um tributo a seu senhor Satã, o Lorde da Trevas...

Aquilo deixou os nervos da banda em frangalhos. Apesar da vida continuar, e todos terem que prosseguir em ensaios, shows, entrevistas e o escambau, era visível a situação tensa que os integrantes da banda passaram a viver. Geezer começou a se aprofundar ainda mais em seus estudos sobre misticismo, chegando a concorrer com Jimmi Page e Ritchie Blackmore, outros supersticiosos famosos, em manias e simpatias de camarim. Não menos que umas trinta vezes foi visto caregando sacos de velas e incensos aonde quer que a banda fosse tocar, ao ponto de sua patética obsessão em realizar orações e intenções para afastar as influências do mal sobre a banda chegasse às raias da paranóia. Bill foi outro que ficou sobressaltado - o baterista se lembra de ter ficado quase quatro noites ligado direto naqueles dias, sem dormir um só segundo, achando estar ouvindo barulhos estranhos e com medo de adormecer e morrer durante o sono, vítima de uma causa qualquer. Assombrado, ele se encharcava de drogas ainda mais do que qualquer de seus colegas, numa inútil e malfadada tentativa de amainar o medo que sentia. Como todos devem saber, o consumo de entorpecentes, como a maconha (que passou a ser a droga n.º 1 no cardápio da banda, a partir de então) e certas pílulas downers (tranquilizantes) podem intensificar, ao invés de amenizar, os efeitos alucinógenos de uma bad trip induzida pelo estado de pânico. Bill passou a ser visto por todos, princpalmente nessa época, como uma "chaminé de marijuana ambulante" nos backstages...

Tony, o mais frio e calmo de todos, era o que procurava menos se preocupar com as más impressões deixadas pela tal seita. Concentrava-se logicamente em todas as possibilidades de maus acontecimentos, tentando descartá-las, ao mesmo tempo em que fumava unzinho pra relaxar entre um show e outro e, obcecado, buscava riffs na guitarra para o novo repertório da banda. A cada telefonema, no entanto, a tranquilidade ia embora, e o guitarrista só voltava a respirar aliviado uns cinco segundos depois de titubeantemente atender a chamada.

Para Ozzy, no quesito telefone, a situação havia ficado bem mais dramática. Apesar de ser eternamente considerado o "doidão", o "porra-louca" da banda, o lado sensível do vocalista aflorou bastante nesta época, e as crises de choro por conta do medo vivido diante das ameaças que passaram a rondar a banda não foram poucas. Chegou a ficar várias semanas longe de telefones, sofrendo uma verdadeira crise do pânico. Em uma crise etílica, após chegar em um quarto de hotel para um show do Sabbath em Brighton, arrancou o aparelho da parede e o atirou longe pela janela, quase acertando em cheio um transeunte que passeava por ali com sua cadelinha. O consumo de drogas do cantor também aumentara assustadoramente.

Durante uma de suas visitas à casa dos pais, em Birmingham, o papai John Thomas não pôde deixar denotar o estado lastimável em que se encontrava o seu filho mais querido e sentou-se com ele para uma conversa, perguntando seriamente o que estava acontecendo. Após o relato transtornado do filho, ele se levantou e disse: "Vocês têm que ter fé. Precisam claramente de uma proteção, mas nada vai adiantar se não tiverem fé", e saiu. Dali a algumas horas, ele voltou de dentro da pequena oficina particular que ele havia montado em sua casa, trazendo um reluzente presente para Ozzy: uma pesada cruz de alumínio, feita para ser carregada em uma corrente, no pescoço, e segundo John Thomas, "para afastar todos os espírito maus que se atreverem a se aproximar". Dali a alguns dias, os outros membros do Black Sabbath estariam voltando a Birmingham, para uma visitinha à casa dos pais de Ozzy, onde ganhariam também, cada um deles, uma cruz igual, no mesmo estilo, para defendê-los de todo o mal e fortificarem sua fé. Em uma recente entrevista, Bill Ward revelou: "Foi um dos melhores presentes que já ganhei em minha vida. Estávamos passando por um estado tal de paranóia que eu simplesmente não sei o que poderia acontecer se continuássemos daquele jeito. Até hoje eu tenho a minha cruz, guardada - ainda a que o pai de Ozzy fez pra gente! Se transformou em uma espécie de amuleto, para todos nós, acredito... Já o Ozzy, bem, ele apanhou uma mania tão grande de usar cruzes no pescoço, que agora ele já anda por aí com umas cruzes de 14 quilates!".

Imagem
Foto de culto de uma seita de adoradores do diabo na Europa.

As perseguições das seitas satânicas, entretanto, não paráram por aí, e ainda iriam se intensificar mais, como veremos a seguir - especialmente após o lançamento do álbum seguinte, que a Vertigo já vinha cobrando, para capitalizar em cima do sucesso crescente da banda. No comecinho de agosto, o Black Sabbath entraria no estúdio para começar as sessões de gravação de seu segundo LP, aquele que se tornaria o seu mais famoso trabalho, e considerado, até hoje, a sua "obra-prima".

Antes disso, no entanto, um outro incidente marcaria a memória dos membros da banda, a ponto de ser imortalizado em uma das próximas canções: após um concerto em Dusseldorf, na Alemanha, ao deixarem o salão onde haviam se apresentado, foram abordados por um grupo de jovens skinheads que passaram a olhá-los desafiadoramente. No melhor estilo "carecas do subúrbio", a gangue toda calçava botas militares, coturnões mesmo, e ameaçava hostilizar os membros da banda, debochando dos cabelos e indumentária deles - é notório o ódio que os skinheads sempre tiveram dos hippies, e esse era exatamente o visual que o Black Sabbath ostentava na época, com suas longas cabeleiras desgrenhadas. "Aposto como ao rasparmos essas jubas com lâmina enferrujada eles vão gemer e chorar como as verdadeiras mariquinhas que são!", arrotava um dos líderes da gangue, enquanto Bill, em ponto de bala, já levava a mão ao bolso onde estava uma velha corrente que ele carregava. Geezer também olhava furiosamente os caras e Tony tentava contornar a situação sem dar muita atenção para as ofensas. Entretanto, quando Ozzy chegou lá fora, a usual garrafa de Chivas Regal em uma das mãos, a confusão estava armada: foi aquela enxurrada de palavrões de corar até um Eddie Murphy...

A esta altura, Simpson já havia notado a confusão e saiu correndo para o local com dois road managers brutamontes que estavam com eles na época, enquanto o dono do salão ligava para a polícia. No final das contas, depois de algum "deixa disso", as sirenes das viaturas ao longe já se faziam ouvir e a turma de neonazistas se dissipou - mas não sem ter arrastado, em meio a toda a confusão, parte do equipamento do Black Sabbath, enquanto eles se distraíam com a confusão. "Nazistas filhos da puta, então é isso na verdade que eles queriam mesmo: era só pegar uns amplificadores pras suas farrinhas em ode a Hitler!", berrara Ozzy.

Semanas depois, em um pub em Londres, enquanto derramava uns goles em companhia de amigos, Ozzy contara o caso, obviamente aumentando todas e quaisquer vantagens para o seu lado, numa verdadeira narrativa de pescador: ele havia esfaqueado um e quebrado a cara do outro ao mesmo tempo, enquanto pisava no pescoço de um terceiro e etc. Claramente mamado, foi alvo das risadas de toda a roda que se juntava diante dele para ouvir a estória, e recebeu o seguinte comentário de alguém: "Quié isso, Ozzy? Isso não existe! Esses caras não existem! É tudo pura mentira!". Ao que Ozzy prontamente retrucou: "Claro que existem! Eles existem, tudo existe! Até duendes existem, e vou te contar: eles usam botas...".

No próximo capítulo: o Black Sabbath se consagra definitivamente no estrelato com o álbum 'Paranoid', entrando para o panteão dos deuses do rock. Além disso, as pirações em torno das gravações de 'Masters of Reality', e a tomada da América pelos reis do heavy metal, prestes a viverem todos os excessos até o limite da loucura. Não perca!



http://whiplash.net/materias/sabbath/000329-blacksabbath.html

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Parte 03 - Satânicos e visionários

E quando tudo parecia estar na mesmice e a rotina derrotista de lutas por um lugar ao sol típica de Birmingham ameaçava se abater sobre nossos heróis... eis que os ventos das mudanças, fossem elas ruins ou não, sopram sobre a terra. Ou melhor, o Earth. A banda que já era praticamente tudo que conhecemos hoje em dia só não o era por ainda não ter encontrado um direcionamento criativo e temático interessante e original, que cativasse os fãs com uma proposta diferente desde o primeiro momento. Este dia, entretanto, logo chegou, partindo da cabeça de um boquiaberto e risonho Geezer Butler, após uma tão reles sessão de cinema... Quem diria. Mas antes disso, ainda, a apreensão por causa de um certo namoro Tony Iommi-Jethro Tull ainda teria que ser experimentada, e os rapazes, apesar de já devidamente empresariados por um ex-trumpetista de jazz que caiu dos céus (ou teria subido do inferno?) ainda teriam que acertar os pontos com algumas platéias por aí - dentre elas, a mais desanimada que eles já enfrentaram.


Imagem
Parte 3 - Satânicos e visionários:

O final do ano de 1968, para a banda, se dá com uma novidade que lhes renderia um susto, na verdade duplamente chocante: agradável por um lado, mas não muito por outro.

Em uma das recentes gigs do Earth, eles haviam sido vistos por um curioso flautista com sotaque escocês chamado Ian Anderson. Esta simpática figura, que mais parecia um fazendeiro do País de Gales fingindo ser um conde de fleuma refinada, apesar dos trajes boquirrotos, era, na verdade, o vocalista e mentor musical de uma banda que vinha despontando em Londres naquele finalzinho de 1968, com uma turnê que andava deixando todo mundo meio embasbacado com o tal de "folk rock pesado" promovido por eles. Se tratava do Jethro Tull. Dentro do curto espaço de tempo de seis meses, a banda se tornaria o xodó da imprensa britânica de rock da época, apontada como uma das grandes novas sensações que chegavam para ficar, diante de um panorama musical que, naquele final de 68, não era dos mais estimulantes: tanto Beatles quanto Rolling Stones enrolados com projetos incertos e que não desandavam - os primeiros por causa da ruptura cada vez mais próxima, se acabando enquanto gravavam o álbum/filme Let It Be, e os segundos, perdendo o guitarrista Brian Jones e meio sem saber o que fazer; o Cream estava morto, extinto, e o próximo projeto de Eric Clapton, o Blind Faith, ainda iria demorar muito para sair da incógnita; o Pink Floyd ainda estava se acostumando com a vida sem Syd Barret, e David Gilmour e Roger Waters ainda demorariam um pouco para se adequarem ao som "espacial" a que se proporiam a fazer com a banda; e o Led Zeppelin não tinha nem nascido direito ainda, ou melhor, já existia, com o nome de "New Yardbirds" (que era o jeito que Jimmi Page tinha arrumado de montar uma nova banda a partir das cinzas dos Yardbirds e cumprir algumas datas de turnês na Europa) - e entretanto, Plant & Page e cia., mesmo quando começassem a fazer sucesso, no ano seguinte, seriam prontamente rechaçados pela mídia musical, sofrendo uma detratação que ainda demoraria muito para assentar e dar-lhes algum prestígio por parte da crítica.

Foi nesse cenário vago que o Jethro Tull apareceu entusiasmando todos com o seu tal "folk rock pauleira", enveredando por temas longos e de inspiração céltico-druída, com pitadas sonoras daquilo que já antecipava em muito o rock progressivo da década seguinte, passando a receber diversos prêmios de grupo revelação e, já em 1970, figurando entre os principais protagonistas do Festival da Ilha de Wight, o famoso "Woodstock inglês".

Imagem
Foto ao lado: Jethro Tull.

Anderson, entusiasmado com o sucesso nascente de seu grupo, andava pensando em reformulações no seu som e novas propostas para a gravação do primeiro LP deles (que acabaria sendo lançado no ano seguinte), indo a vários shows e observando diversas bandas em ação, ele se engraçou com Tony Iommi e a versatilidade aliada à brutalidade nas guitarradas do rapaz. Na verdade, foi numa das performances do Earth em que Iommi solava num estilo de blues, bem slide, é que Anderson teve a idéia de chamá-lo para figurar como guitarrista em algumas apresentações do Jethro Tull, não desconsiderando a idéia de, caso tudo corresse bem e Iommi se adaptasse bem ao Jethro, incluí-lo definitivamente no grupo.

Imagem
Foto ao lado: Rolling Stones Rock and Roll Circus

Se por um lado isso representava um golpe no estômago de Ozzy, Bill e Geezer, - que já haviam se acostumado àquela formação e que achavam que Iommi, em uma banda em ascensão como o Jethro, nem pensaria em tocar mais com eles - por outro lado, era a garantia de dias melhores para o Earth, já que com o dinheiro que Iommi receberia por aqueles dias excursionando com o Jethro, as muitas contas e gastos pendentes do grupo poderiam ser pagas, e ainda sobraria um troco para comprar mais equipamento. A banda tinha que se desdobrar, afinal, se quisesse continuar vivendo de sua própria música, e a vida não estava fácil mesmo! Foi assim, então, que mesmo correndo o risco, Ozzy e os rapazes deram um "até mais" a Iommi, mesmo imaginando que, no dia em que ele voltasse para revê-los, poderia ser para não ensaiar e nem entregar dinheiro algum, mas sim para dar uma notícia não muito agradável. Talvez fosse o futuro do cara como guitarrista - ninguém podia se intrometer no destino dele, afinal.

Imagem
Foto ao lado: Aparição do Jethro Tull no especial de TV "Rock n'Roll Circus" - repare em Iommi, no cantinho direito, de chapéu.

Foi graças a isso que, hoje em dia, quando assistimos à histórica apresentação dos Rolling Stones para a TV britânica, intitulada The Rolling Stones Rock and Roll Circus (gravada nos dias 10, 11 e 12 de dezembro), e que ficou engavetada por muitos e muitos anos antes que Mick Jagger se convencesse que era um momento realmente importante do rock e que devia ser lançado para o grande público, é que podemos ver, durante a apresentação do novato Jethro Tull por lá, um esquálido e tímido Tony Iommi, dublando a guitarra no cantinho da tela (já que foi tocado um playback para Ian Anderson, somente, cantar em cima e solar com sua flauta).

Naqueles dias, Iommi estava com o grupo, e com eles permaneceu tocando, em shows e pequenas apresentações, até meados de janeiro de 1969. Nem registros de gravações do guitarrista com o grupo parecem existir, a não ser umas duas ou três músicas presentes em discos piratas, mas só suspeitas. Na verdade, Iommi alega ter permanecido com o grupo só por duas semanas, e que não teria mesmo gostado do estilo de som a que o Jethro Tull se propunha, preferindo a sua proposta original (e mais pesada), junto com Ozzy e cia. "Toquei no Jethro Tull durante duas semanas. Mas eu me sentia mais em casa no Black Sabbath; no Jethro, eu não tinha certeza de que ia me encaixar". Também o jeitão sorumbático de Ian Anderson, um beberrão bicho-grilo dado a conversas-cabeça que soavam a grego para Iommi e que recusava-se a dar qualquer palavra final para qualquer novo músico que acompanhava a sua banda até que uns bons meses tivessem se passado. Assim, Iommi retorna a Birmingham com a grana prometida nos burros, reencontra Ozzy, Bill e Geezer, e todos juntos comemoram a sua volta e o dinheiro recebido com uma bela cervejada num dos pubs locais após uma noite de show.

Imagem
Foto ao lado: Jim Simpson, o primeiro empresário do Black Sabbath, em foto mais recente.

Era o início de 1969. E o grupo ainda se chamava Earth. Eles estavam batalhando pesado no circuito de enfumaçados barzinhos e pubs de Birmingham e cercanias quando um promotor de shows de bandas pop e rock de algum renome na região, Jim Simpson, foi bater na porta da casa de Iommi, certa noite. Simpson era um trumpetista de jazz frustrado, que havia passado por várias bandas do gênero em sua juventude, e agora era o proprietário do apagado selo Big Bear Records, que gravava novos artistas e revelações em shows no norte da Inglaterra, a maioria sem grande expressão; ele empresariava alguns grupos ingleses de pouca ou nenhuma importância, que hoje não entram nem em nota de rodapé de enciclopédias de rock, e já havia ajudado a promover alguns festivais e turnês de rock em lugares como Manchester, Glasgow, Blackpool, Liverpool e a própria Birmingham. O cara tinha inegáveis conhecimentos e contatos com algumas pessoas influentes no meio musical inglês da época, mas nada muito surpreendente, ou que excedesse a popular rodada de canecos de cerveja feita antes ou após um show qualquer, entre empresários, músicos e parasitas de toda a espécie. De tais contatos informais, no entanto, havia nascido uma invariável notoriedade no circuito de shows Liverpool-Hamburgo, sendo que sempre fez parte do currículo de estórias pessoais de Simpson alegar que, inclusive, já havia viajado com os Beatles várias vezes para a Alemanha, em uma das muitas excursões dos garotos de Liverpool para tocar lá, no posteriormente famoso Star Club. Isso o fazia, conseqüentemente, ter portas abertas na casa de shows, para levar para lá os artistas que quisesse.

Esse papo foi, obviamente, jogado em Iommi, que por sua vez, o jogou no resto dos integrantes da banda. E imagine só o brilho nos olhos de Ozzy quando ele ficou sabendo que o tal Simpson, que já havia estado com - supremacia das supremacias - os Beatles, estava querendo assinar com o Earth para uma turnê na Alemanha, justamente em Hamburgo, no mesmo Star Club onde os Fab Four haviam tocado! Apesar da tradicional carranca com que o incrédulo e arredio Ozzy recebia os promotores de eventos e empresários pés-de-chinelo que rondavam o grupo, nos seus primeiros dias, a reação a Simpson, por conta disso, foi bem diferente.

Imagem
Foto ao lado: Black Sabbath, nos primeiros tempos.

Bill Ward se lembraria dessa época e a recordaria, em entrevistas anos mais tarde, que aqueles, apesar de terem sido anos muito difíceis para a banda, foram também dos mais divertidos - como de praxe em várias bandas que depois se tornam famosas e perdem aquele gosto pela simplicidade e pelos prazeres sutis da batalha pelo sucesso. Alguns meses antes de serem contatados por Simpson, o Earth havia arrumado uma van de segunda mão - bem, na verdade, parecia ser de décima, ou vigésima... - , concedida com as graças de um primo de Geezer Butler, que era tão velha e estourada, que o grupo passava mais tempo fora dela, a empurrando e fazendo pegar no tranco, do que dentro. Com isso, chegavam todos ofegantes, e às vezes sujos de graxa, aos lugares dos shows. Ozzy conta que "pelo menos, surtia o efeito de uma bela carroça para carregarmos o nosso equipamento na época".

Foi no meio destes tempos difíceis, e a apenas quatro dias de caírem nas graças de seu primeiro empresário, Jim Simpson, que o Earth considerou seriamente a hipótese de mudar de nome, e acabou o fazendo. Conforme já dito no capítulo anterior, "Earth" era um nome que parecia estar meio manjado nas redondezas, já utilizado por outra banda e também, em Londres, pelo novo grupo que Manfred Mann havia montado. Assim, Ozzy e os outros vinham pensando, nos últimos tempos, em trocar o nome da banda definitivamente para outro. O estopim para que isso acontecesse, determinando, na verdade, não só uma mudança de nome de banda, mas também, de todos os rumos da postura que o rock pesado e a música pop teriam nos anos seguintes, se deveu a vários fatores.

É preciso se lembrar que o ambiente libertário e contracultural dos anos 60 propiciou o aparecimento de diversas novas ondas e tendências que, fazendo a cabeça da juventude da época, eram a oferta de modos de vida e de pensamentos alternativos àqueles já consolidados pelo establishment, pela cultura oficial - que nos EUA, por exemplo, tinham o seu exemplo mais claro no famoso American way of life nascido da era Roosevelt, após a Segunda Guerra Mundial. Com os subsídios de uma economia turbinada pelo sucesso nas campanhas bélicas mundiais dos anos anteriores, e uma administração ágil e dinâmica, os Estados Unidos da América passaram a exercer, dos anos 40 em diante, uma ditadura cultural sobre todo o globo terrestre muito evidente, fazendo de sua língua, roupas, música, cinema, literatura etc. símbolos e parâmetros para tudo que se desenvolvesse no panorama de cultura dos países ocidentais. Esta ditadura, obviamente, era fundamentada nas ideologias propagadas pelos WASP - a maioria da população norte-americana de então, white (brancos), anglo-saxon (anglo-saxões) e protestants (protestantes). De rígidos padrões morais e éticos conservadores, subservientes às hegemonias existentes da religião protestante e da figura masculina na sociedade, das hierarquias militares e do respeito às instituições, os princípios WASP se proliferaram pelo mundo inteiro agregados à cultura norte-americana, estabelecendo a dita "cultura oficial" ou "dominante". É o que vemos até hoje, por exemplo, desde em certos regulamentos de edifícios e condomínios até em novelas e programas de uma Rede Globo, quando verdades sociais como a pobreza, a homossexualidade, o preconceito racial, a explosão demográfica e outras figuras incômodas ao pensamento conservador protestante são mascaradas ou simplesmente banidas graças à ditadura do Ibope e da mídia, tão entremeadas no subconsciente coletivo estão as idéias WASP.

As leis da física, todavia, já nos ensinavam que para toda uma ação, há uma reação. Pensadores (dentre eles, filósofos, sociólogos e psicólogos), artistas e religiosos alternativos, como gurus e líderes espirituais, do mundo inteiro, passaram a perceber esse alastramento da ideologia WASP no painel ocidental, e passaram a se dedicar em todas as suas obras e trabalhos, a denunciar esta ampla e irrestrita ditadura cultural, massificada e onipresente graças aos meios de comunicação cada vez mais poderosos - lembre-se que em um curto espaço de tempo, do final dos anos 40 ao final dos 50, televisão, rádio, cinema, discos e imprensa escrita se desenvolveram de uma forma tal que todo o globo terrestre já estava sendo coberto. Como uma década de libertação dos dogmas e padrões impostos que foram, os anos 60, obviamente, dariam chance a todas estas pessoas que vinham trabalhando contra a cultura oficial estabelecida de se expressarem melhor - e isso veio não somente por elas, mas também por toda uma nova geração que já estava ouvindo atentamente as suas orientações. Foi assim, então, que os beatniks dos anos 40 e 50, os cantores folclóricos de protesto, os gurus indianos e líderes espirituais do Oriente, e escritores, filósofos, políticos e críticos de renome, como Bertrand Russel, Freud, Jung, Marcus, Che Guevara, e muitos outros, seriam todos introduzidos e eternizados no pensamento da geração jovem dos anos 60 - e que logo se desdobraria no grande movimento contracultural da nação hippie.

Como um movimento, entretanto, tão geral e pancultural que era (no sentido de juntar diversas correntes e tendências culturais), os hippies acabariam não só atraindo forças bastante positivistas para este contexto, como também, forças bem negativas. Assim como tudo que era experimentação e novidade era válido, como uma forma de quebrar as regras impostas pela cultura ocidental viciada e conservadora, de "romper as barreiras" e "ultrapassar os limites", em um linguajar bem típico da época (e que celebrizou as letras de Jim Morrison, dos Doors, em canções como Break on Through, por exemplo), várias propostas alternativas de vida, provenientes de religiões fora do eixo protestantismo-catolicismo ocidental, vieram à tona. Foi assim que diversas seitas e religiões como budismo, xamanismo, hinduísmo - até mesmo o messianismo muçulmano - começaram a repentinamente aparecer de norte a sul do continente americano. E, junto a elas, também veio o satanismo.

Imagem
Foto ao lado: Anton LaVey

Não se sabe ao certo de onde se originam as raízes do satanismo ocidental, mas têm muito a ver com os ritos pagãos e cultos que sobrevivem em diversas comunidades ancestrais, desde épocas imemoriais, de regiões da Europa como a Noruega, Groenlândia, Nova Zelândia, Suécia e Grã-Bretanha. Tido por sociedades secretas de ocultismo como um desvio na vertente das seitas celtas e druidas que originariam a hoje popular Wicca, ou seita dos bruxos e bruxas, o satanismo começou a crescer na América em pequenas comunidades rurais de imigrantes, que teriam trazido os costumes e tradições de fazer oferendas e cerimônias a Belzebu da Europa Central, como uma forma de ter prosperidade e bons resultados nas colheitas. Rezam as lendas que, nas antigas florestas norueguesas, banquetes cheios de vinho, frutas, carnes e sangue de animais mortos em sacrifício eram oferecidos a um representante do demônio sobre a Terra, designado durante certo período pela comunidade de camponeses como cornudo, por se paramentar de uma vestimenta em que era obrigatório o uso de uma máscara, feita de couro de alces e imitando as feições do diabo, ostentando longos chifres. Quando estavam próximos os períodos do plantio, geralmente em meados de maio, que era um dos quatro feriados chamados de "meio trimestre" pelos celtas (dias em que os bruxos e bruxas se punham a festejar e descansar), chamado de Beltrane, geralmente as comunidades satanistas davam início aos preparativos para estas celebrações em que oferendas eram entregues ao Belzebu para que a colheita do ano fosse próspera. Daí nasceu a palavra Sabbath, ou "sabá", em português, que é o nome dado a esta cerimônia secreta em que os pagãos da Europa Central invocavam o Senhor das Trevas. O nome origina-se de um dia de descanso religioso, que Moisés havia mandado os homens terem, no sétimo dia da semana. Subvertido pelas ordens ocultas de bruxaria, na Idade Média, o sabá acabou se agregando ao feriado de Beltrane, tido como uma oportunidade festiva para bruxos e bruxas se reunirem e celebrarem seus feitos, sempre em um dia de sábado, à meia-noite, sob a presidência de Satanás. E assim, foi gradativamente sendo incorporado pelas comunidades ocultistas da Europa Central, mantendo a tradição: sendo realizado na época de Beltrane, antes do início do plantio, em um sábado à meia-noite, com um líder escolhido para representar o demônio, vestido como tal, e a quem eram feitas oferendas, em um clima de grande depravação, um verdadeiro bacanal repleto de vinho, comida e sexo. Detalhe interessante sobre os sabás originais que ocorriam nas florestas da Europa Central, contados por vários historiadores, é que quando mostrava ser muito infrutífera a terra a ser cultivada, era necessário que uma noiva da comunidade prestes a se casar, devidamente virgem, fosse oferecida ao Belzebu, para que este a deflorasse, restituindo a fertilidade do solo a ser cultivado. Relatos acerca de outros cultos falam na morte de crianças, o que, queiramos ou não, ainda é noticiado por vários informes sobre fatos ocultos e sobrenaturais até os dias de hoje.

A questão é que, na loucura libertária e de extensa diversidade de propostas dos anos 60 para se fugir da mesmice WASP, cultos arraigados em certas comunidades ocultas como o satanismo acabaram chegando à América, ou mesmo ganhando força onde já existiam, na Europa mesmo. De repente, por mais estranho e maligno que isso parecesse, ficou "in" ser satânico, ou ter um ar meio decadente e "do mal", estava na moda - influência clara das seitas satanistas que passaram a se proliferar no circuito underground das artes, a partir da segunda metade dos anos 60. Devido a isso, começamos a ver gente como Anton LaVey, o auto-denominado "sacerdote de Satã", fundar a sua Igreja Satânica, nos anos 60, com vários adeptos famosos do jet-set internacional; o cineasta de vanguarda Kenneth Anger, que entraria para a história do cinema marginal com as suas "obras-primas", filmes cabeça de estética altamente lisérgica e visual decadente, encenando rituais de bruxaria e cenas de seitas malditas, como Invocation of My Demon Brother e Lucifer Rising, esta última com trilha sonora originalmente composta por Jimmi Page, outra figurinha tarimbada no meio satânico e estudioso das ciências ocultas de Aleister Crowley, assim como Anger; o músico Bobby Beausoleil, outro doido, amigo de Arthur Lee, do Love, que acabou se envolvendo com Kenneth Anger, atuando em seus filmes e, enlouquecido pela filosofia satanista, cometendo assassinato; além, obviamente, de todas as outras personalidades que, em maior ou menor grau, acabaram ajudando a promover o culto ao chifrudo: o já citado Jimmi Page, Mick Jagger e os Rolling Stones (com discos como Their Satanic Majesties Request e a música "Sympathy for the Devil" - ele próprio amiguinho de Kenneth Anger e cogitado diversas vezes para atuar em seus filmes e compor suas trilhas sonoras), as amantes de Jagger, Keith Richard e Brian Jones (a cantora Marianne Faithful e a devassa modelo e atriz Anita Pallenberg - ambas estudiosas de magia negra), e o artista performático londrino Arthur Brown (do grupo psicodélico Crazy World of Arthur Brown, de grande sucesso em 1967 com uma música inspirada no soul de James Brown que exaltava o inferno! - "Fire"). Também o cineasta Roman Polanski entrou na onda, com aquele que é, para muitos, o primeiro filme sério sobre satanismo na sociedade ocidental: O Bebê de Rosemary, de 1968. Polanski, aliás, que na época era casado com a atriz Sharon Tate, que foi uma das vítimas trágicas diretas da proliferação de seitas dos anos 60, morta pelo bando de lunáticos de Charles Manson - que, inclusive, possuía em suas fileiras alguns ex-membros de seitas satânicas americanas.

Imagem
Foto ao lado: O "cineasta bruxo" Kenneth Anger

Para a maioria dessa galera do cenário pop, o satanismo, assim como várias outras tendências naqueles efervescentes anos 60, não acabariam passando de mais um "embalo de verão", e logo muitos deles acabariam abandonando a brincadeira por coisas mais sérias - com a honrosa exceção, é claro, de Jimmi Page, que continuou mais enfronhado no negócio ainda, a ponto até de comprar aquele castelo, que pertenceu a todo-mundo-sabe-quem, em 1972.

Como se vê, a contracultura acabou provocando uma grande aproximação do satanismo com a mídia e o grande público, ainda que a níveis bem superficiais e inocentes (talvez...), e quando ela foi finalmente engolida pela cultura ocidental oficial, o que acabou acontecendo mesmo contra a vontade dos hippies (já que o establishment, desde então, aprendeu a absorver tudo e subvertê-lo aos seus interesses, por causa do dinheiro, of course), o satanismo foi junto, sendo incorporado ao mundo pop. E não adiantariam nada as críticas de grupos fundamentalistas cristãos, ou mesmo a chacina promovida pela Família Manson, naquele ano de 1969 - o estrago da introdução do satanismo no mundo das artes pop já estava feito.

Imagem
Foto ao lado: O Exorcista (1973): grande sucesso do cinema de horror "satânico"

Sintomas do grande ibope que o satanismo deu, do início dos anos 70 em diante, são os sucessos cinematográficos de O Exorcista e A Profecia, e na área da música, tudo quanto é estória que começou a circular acerca do Led Zeppelin, AC-DC, Kiss, ou mesmo os nossos focalizados, o Black Sabbath. Até grupos mais xarope, como os Eagles, tiveram a sua venda de discos aumentada quando se cogitou que alguns deles, como o guitarrista Joe Walsh, tinham composto o grande hit da banda, "Hotel Califórnia", inspirados em um dos hotéis pertencentes à seita satanista de Anton LaVey (em 1976). Se hoje algum moleque acha simpáticas algumas capas de discos do Iron Maiden ou do Deicide, curte as lendas em torno do Led Zeppelin, ou filmes de terror como Stigmata e Advogado do Diabo (que, em uma de suas cenas finais, no discurso de Al Pacino como Lúcifer, faz uma menção bem direta a essa atração que o Mal exerce na humanidade), é por causa dessa grande capacidade que a mídia teve de capitalizar em cima do satanismo e torna-lo atraente e familiar.

Pois é, foi no meio de todo esse clima altamente propício a que o horror e as trevas imperassem no meio artístico, que Geezer Butler (e não Ozzy, ao contrário do que reza a lenda), em um belo dia de sábado (exatamente!), à noite, vai a um cinema de Birmingham que ficava quase em frente de sua casa, onde estava sendo exibido um filme chamado, justamente, Black Sabbath (O Sabá Negro), uma produção inglesa da Hammer, famosa produtora de filmes B de terror de Londres que já havia dado a luz a sucessos como Drácula (com Christopher Lee), Castelo da Morte, O Solar Maldito e astros do gênero, como Vincent Price, Peter Cushing e o já citado Lee. Black Sabbath (1963), o filme, estrelava uma lenda do gênero, o veterano Boris Karloff (que havia sido o primeiro ator a encarnar o monstro Frankenstein no cinema, em 1932), e falava, justamente, sobre os tais rituais satânicos ocorridos à meia-noite, organizados por bruxos para invocar o tinhoso. Geezer saiu do cinema assombrado, pois sempre fora vidrado em coisas sobrenaturais - mas, ao mesmo tempo, ria da galerinha que formava fila para assistir à próxima sessão, uns fazendo "buuu" e outros se borrando de medo. Aquilo era engraçado - pessoas pagando para sentirem medo - e, já pressentindo o clima da época e sentindo a reação dos jovens que estavam indo ao cinema, vidrados com as cenas horripilantes dos rituais, o jovem baixista viu uma idéia germinar rapidamente em sua cabeça.

Imagem
Foto ao lado: Pôster original do filme 'Black Sabbath', que deu origem ao nome da banda.

Primeiro, ele foi para casa e, já há alguns dias tentando compor alguma coisa própria para a banda (que, segundo Simpson, tinha que criar repertório se quisesse fazer sucesso, não podia só ficar mais presa a covers), sem nenhum sucesso, começou a fantasiar em cima das cenas que havia visto horas antes no filme de Karloff, e começou a rascunhar algo, em cima do nome: "Black Sabbath". Nos ensaios do dia seguinte, Geezer começou a conversar com os rapazes sobre o filme que havia visto, e como aquilo tudo o havia impressionado. Iommi perguntara o preço do ingresso, que Ozzy achara caro. "Por que um bando de garotos pagaria, então, uma boa grana simplesmente para sentir calafrios?", indagou Geezer. Ozzy se impressionou, e começou a pegar ali a linha de raciocínio a que Geezer queria chegar. O tal negócio de fazer horror e falar no capeta andava fazendo sucesso. Todos ficaram encucados: como, então, fazer horror na linha musical, como uma banda? No cinema era outra coisa. Geezer, então, tirou do bolso o rascunho da noite anterior, escrito com o mesmo nome do filme, e mostrou para os caras. Ozzy pegou o papel, coçou a cabeça... "Acho que podemos fazer algo aqui assim...", e aos poucos uma letra bastante original (e polêmica, para a época) foi surgindo:

Estávamos em abril de 1969. Em poucos dias, para o orgulho de papai Thomas e mamãe Lilian, Ozzy estaria embarcando para a sua primeira turnê internacional com a banda. Dinheiro que era bom, entretanto, nada. Mas Ozzy já havia se comprometido a entregar todo o cascalho que ganhasse nos shows para ajudar a pagar as despesas de casa. "Eu tenho certeza que, se você não torrar tudo nos canecos, você trará", alfinetou o bonachão Sr. Thomas. A banda ainda se chamava Earth, pois os quatro rapazes ainda não haviam se decidido se o lance de pôr um nome como "Black Sabbath" no grupo e começar a tocar no assunto magia negra seria realmente legal - por isso, pelo menos para a primeiras gigs em Hamburgo, resolveram deixar tudo como estava.

Datam dos dias 25, 27 e 28 de abril, 3, 10 e 20 de maio as primeiras apresentações da banda de Ozzy e Iommi na cidade onde os Beatles começaram a realmente ser o que seriam. E ali, também, o Earth deu tudo de si e consolidou uma fama que já vinha sendo construída em várias cidades inglesas por onde passavam. O peso e a intensidade da cozinha de Geezer e Ward, unidas aos vocais desesperados e selvagens de Ozzy, mais a guitarra cortante e mastodôntica de Iommi, levaram ao êxtase as platéias alemãs desde o primeiro momento.

Vendo que o público estava em suas mãos, o grupo consegue novas datas e shows com a ajuda de Jim Simpson, que se revela realmente eficiente. Arrasam em sua passagem pelo notório Henry's Blues Club, de Carlisle (por onde já havia passado gente como o Savoy Brown), e durante todo o mês de maio, seguem por gigs em pequenas cidades alemãs, da fronteira, e mais passagens por Edinburgh, Cambridge, Glasgow, e outras cidades inglesas. Chegam a participar de um pequeno festival nos subúrbios de Londres - lá, inclusive, têm a sua primeira experiência com um estúdio de gravação, ainda que amador. Bancados por Simpson, só para ver como é que seu som estava saindo, gravam uma fita demo com cinco canções (incluindo uma que é somente uma improvisação jazz, bem ao estilo de Wes Montgomery, de sete minutos) em uma máquina monaural, de somente dois canais, ao vivo mesmo: duas das canções são "The Rebel", que eles já tocavam desde os primeiros tempos em Birmingham, e uma outra, composta recentemente, e ainda sem nome, que eles resolveram batizar de "A Song for Jim", em homenagem ao empresário, já que ele estava custeando, do seu próprio bolso, aquela primeira sessão. Essas raríssimas canções, só disponíveis em discos piratas hoje difíceis de encontrar, podem ser ouvidas, em trechos, na primeira parte de uma coletânea em vídeo sobre a história do Black Sabbath lançada em 1992: The Black Sabbath Story.

Apesar do crescente sucesso do grupo em pequenos palcos e salões, nem tudo eram rosas ainda para os rapazes do Earth. Alguns dias depois da passagem por Londres, em um show em Cardiff (terra natal de outra banda pesada que iria beber muito na fonte do Black Sabbath - o Budgie), a platéia de teor universitário, jovens estudantes ingleses tipicamente snobbish, resolve não prestar muita atenção ao Earth no pequeno concerto que eles estavam dando em um pub local. Era o que bastava para atrair a ira de Ozzy, enfurecido com o nariz empinado de muitos daqueles filhinhos-de-papai que preferiam folk songs e um bom papo-cabeça enquanto bebericavam seus lagers.

- Direito para o céu! - berrou ele aos músicos da banda, num código para que elevassem os volumes dos PA's de seus instrumentos ao máximo. Bill emendou com uma ruidosa introdução, espancando violentamente a batera a ponto de quebrar a ponta de uma das baquetas - e continuando com a mesma, como se nada tivesse acontecido! Iommi dava início, então, àquela famosa passagem pauleira de "Warning", a longa música que fecharia o primeiro álbum do grupo, então em gestação. Funcionou de introdução para que o grupo atacasse "Blue Suede Shoes", um cover que Ozzy adorava, nos primeiros tempos, e mandassem quarenta minutos ininterruptos do melhor que o repertório deles continha, na época. E nada. Entre uma música e outra, nas poucas paradas que o grupo fez, Ozzy rosnava uma piadinha ou outra ao microfone com desdém, numa espécie de zombaria pela falta de atenção do público. Mas não obtinha nenhuma vaia em resposta, apenas silêncio - não havia nenhuma reação, nada! Ao final de tudo, todo o sangue que o grupo deu, e todo o volume, e a platéia do lugar permanecia impassível, como se ninguém estivesse tocando na frente deles. Para Ozzy, aquilo era inacreditável. Todo aquele som, todo aquele rock, e os boyzinhos cabeludos com cara de comedores de mingau se comportavam como se tudo fosse apenas muzak (música de elevador).

Houve uma pausa de meia-hora para que os músicos descansassem e se reabastecessem com alguma cerveja, e o dono do lugar chegou neles, meio que sacaneando, perguntando-lhes se era sempre assim no lugar de onde eles vinham ou se realmente não haviam pago ninguém para espalhar o boato de que eles eram quentes. O esquelético Geezer mal se agüentava em pé de cansaço, e mal segurava o seu caneco, de tão estourados que estavam seus dedos, enquanto Iommi observava o público do local, rindo no meio das cervejadas e ficando tontos como um bando de bêbados idiotas, com um olhar quase contemplativo, lacônico e tentando analisar matematicamente a situação, sem beber nada. Bill e Ozzy, enquanto isso, no auge da ira, haviam dado uma saída por alguns minutos, alegando que iam buscar cigarros em outro lugar, pois os dali eram "pura merda de vaca enrolada", numa justificativa bem cortês ao barman para recusarem uma cartela. Na verdade, haviam era saído, sem que o atônito Jim Simpson percebesse, em busca de algo, no mínimo, inusitado para chamar a atenção daquele público difícil de cativar.

Às 10:45 da noite, de volta ao palco, Iommi e Geezer afinam seus instrumentos e olham de modo indagador para Bill, que vai tomando seu lugar no assento da bateria. Sem que tenham nem tempo de lhe dirigir uma palavra, Bill começa uns toques e repiques, chamando a primeira música do segundo set, e quando Geezer começa a deslizar os seus magoados dedos sobre as quatro cordas, ele olha para trás e tem um choque!

Um Ozzy completamente pintado de tinta roxa, da cabeça aos pés, adentra o palco, uivando como um louco e pulando, em headbangin' acelerado, como se estivesse sofrendo de um acesso perigosíssimo e em seus minutos finais de vida. Iommi mal pode conter o riso, mas dá início ao som, e eles atacam novamente. E a platéia - pasmem! - fica assustada e presta atenção em Ozzy somente nos primeiros segundos, e depois... volta a beber e a conversar ruidosamente de novo, pouco se lixando para o esforço do vocalista e sua banda em esquentar o ambiente.

Ao final daquela noite, tida para sempre pela banda como uma de suas mais estranhas, fracassadas, e engraçadas, ao mesmo tempo, Ozzy, totalmente pintado, esgotado e exausto, puxa um caneco de cerveja do balcão do bar enquanto a banda desmonta o equipamento, avista um rapazinho saindo trôpego de bêbado em direção à rua, e se apóia em seus ombros, os dois quase se estatelando juntos no chão ao cruzarem a porta de saída.

- Nunca mais quero cantar para um bando de merdinhas como vocês - sussurra ele ao pobre indivíduo enquanto lhe empurra mais uns goles de cerveja... Bill Ward testemunharia que o vocalista ficaria o resto da noite pintado, e apenas na manhã do dia seguinte, após sessões de banho ininterruptas, ele conseguiria se livrar da "maldita tinta púrpura", após 4 horas!

Imagem
Foto ao lado: O lendário Star Club, em Hamburgo (Alemanha).

Na verdade, este incidente no início da carreira da banda serve para mostrar bem uma divisão de gostos que se tornaria muito clara no decorrer dos anos, não só para o Black Sabbath como para outros grupos de rock pesado que se tornariam populares: a recusa de certas parcelas de público em reconhecer ou mesmo tentar apreciar um rock mais amplificado, denotando a primeira grande onda de preconceito que ocorreria com esta nova tendência que começava a despontar.

Em junho, novo retorno a Hamburgo. E nos shows dos dias 12 e 16 de junho, a banda resolve tirar o às da manga e testar o que eles vinham mais cogitando: a nova postura satânica. Talvez por puro experimentalismo, ou até mesmo por uma revolta com o que havia acontecido em Cardiff, Ozzy e os rapazes resolvem testar o "lance" urdido por Geezer naquelas duas datas que eles tinham na Alemanha.

No final do primeiro show, Ozzy anuncia uma nova música, que irá deixar todos ensandecidos. E emendam com os primeiros acordes, macabros e tonitruantes, de "Black Sabbath". De início, a platéia parecia mesmerizada, hipnotizada. Aos primeiros trechos da letra horripilante, cantada por Ozzy, ouvem-se "uaus" assustados na platéia e alguns berros de delírio de fãs já meio chapados. Em um dos momentos, Ozzy, por instinto, resolve assumir o seu lado ator e encarnar o próprio demônio, soltando uma risada diabólica e galhofeira no final da parte lenta da canção. É o sinal para que a platéia urre em um dos mais ensurdecedores gritos que o Star Club já presenciou. Enquanto tocam, Geezer e Iommi se entreolham sacando que o lance realmente funciona. De repente, uma súbita parada. Iommi começa a golpear a guitarra com aqueles riffs frenéticos e nervosos que anunciam a parte mais rápida e pesada da música. Entra a bateria - Ward começa a espancá-la como um louco. O ritmo acelere e Ozzy anuncia a chegada de todos ao reino dos infernos. O público pula, agita, delira e berra alucinadamente, principalmente após Ozzy: "No, no, please... no!!!", numa imprecação aterradora, como se estivesse realmente se afogando em um dos lagos de fogo ferventes de Dante. É o clímax. A guitarra de Iommi reverbera assustadoramente, e o lugar todo parece estar se agitando junto, balançando como se houvesse um terremoto naquela verdadeira panela de pressão humana. Era uma fria noite de apenas doze graus centígrados, mas ali dentro do Star Club parecia que todos estavam, realmente, nos quintos dos infernos queimando, pulando e gritando! Ao final de tudo, a platéia pede por bis clamorosamente. Do backstage, Jim Simpson sorri sarcasticamente para eles, lhes acenando sinais de vitória com as duas mãos: o caminho é esse, está escolhido e não há mais o que esperar. De agora em diante, o Earth vai se chamar Black Sabbath, e assumirá uma nova postura, inédita para qualquer banda até então: um visual escuro, macabro e sério. A primeira banda realmente dark da história do rock - já que os Doors não contam, só Morrison é que era mais sombrio...

É em julho de 1969 que ocorre a mudança de postura definitiva da banda - esta é uma foto promocional que acabaria ficando de fora do primeiro compacto do grupo, em 1970, denunciando a ligação com os temas macabros que faria a discutida fama do grupo.

Reza a lenda que, quatro meses de shows depois, já sob o novo nome, e angariando uma verdadeira legião de fãs de roupas escuras e cabelos desgrenhados que começava a se formar em torno da banda aonde quer que fossem, receberam, no escritório de Simpson, em Birmingham, a visita de um olheiro da Vertigo Records, um selo de porte médio mas com muita gana de entrar pra valer no mercado de rock inglês, para assinarem o seu primeiro contrato para a gravação de um disco. Era a concretização de um sonho antigo pelo qual tiveram que batalhar arduamente e com muita originalidade, seguindo seus instintos e sempre enfrentando toda a sorte de adversidades do destino com o intuito de se imporem. Ozzy, após assinar a folha com a caneta de Simpson, hesitou em entrega-la de volta ao empresário: "Peraí, deixa eu me picar todo com ela pra sacar que eu não estou sonhando!". Era final de novembro de 1969, e dali a poucos dias, no início de dezembro, todos os quatro cavaleiros do apocalipse deveriam estar em Londres, em um pequeno estúdio no centro da cidade, alugado pela Vertigo, para começarem as gravações do seu primeiro single e do LP. Para o compacto, uma decisão ainda essencial naqueles dias em que o mercado fonográfico todo se dirigia para o sucesso imediato ou o fracasso retumbante de uma banda pelo desempenho de um disquinho simples nos charts, era consenso de todos que uma música composta dois meses antes, e que vinha tendo boa receptividade ao vivo, chamada "Wicked World", devia figurar como carro-chefe do disco. A música que dava título à banda e ao primeiro LP também era uma pérola, mas alguns executivos da Vertigo simplesmente ficaram receosos de lançar uma música com uma letra daquelas como primeiro compacto de um grupo estreante. Era o primeiro imbróglio do Black Sabbath com os problemas burocráticos das gravadoras...