segunda-feira, 17 de agosto de 2009

"Como não era acusado de pedofilia não tive ninguém do PS a receber-me"


Antigo presidente da Câmara de Cascais pelo PS, José Luís Judas acusa o ex-secretário-geral Ferro Rodrigues de total falta de solidariedade



Judas diz estar pessimista em relação ao futuro do país















Judas é hoje um homem amargurado. Com jornalistas, empresários e políticos, a começar pela direcção do PS de Ferro Rodrigues. Acusado, nunca chegou a ir a ju lgamento, com o processo a ser arquivado por falta de provas. Funcionário do grupo Opway, que resultou da fusão das construtoras OPCA e Sopol, o i apanhou-o de férias no estrangeiro.

O seu processo em tribunal durou cerca de sete anos. Como viveu esses tempos?

Foi um processo baseado num documento incompetente e mal--intencionado, criticando um negócio aprovado por unanimidade pela câmara. A partir daí foi a via--sacra normal de quando alguém apresenta queixa contra um cidadão que é uma figura pública. Há uma apetência cínica para julgar e dar cabo da vida dele. A partir daí o meu mandato foi um conjunto de ilegalidades feitas só por mim e pelo Américo Santo como cúmplice e foi assim que andei sete ou oito anos nesta história.

Sentiu-se perseguido?

É o normal em Portugal. Antes fazia-se uma denúncia anónima a um pol ícia da PIDE, agora é a um agente da Polícia Judiciária, como foi no caso Freeport, e a partir daí tem um processo em que não controla nada. Está nas mãos deles. Andei os anos todos que me obrigaram até se esquecerem de mim. Agora está arrumado.

Foi complicado para a sua família? Como reagiram?

É o mesmo com toda a gente. Basta que os jornais digam que você é suspeito de corrupção para ser corrupto. É assim que se queimam as pessoas. Alguém me vai pagar indemnizações?

António Capucho procedeu bem durante todo o caso?

Utilizou-o para me denegrir. O processo era sobre o Plano Especial de Realojamento e até recebeu prémios internacionais que ele teve a lata de ir receber. Foi uma vingança do PSD, porque denunciei algumas vigarices, nomeadamente a urbanização da Guia. E talvez também porque ele tivesse algum receio de que me voltasse a candidatar.

Teve algum contacto posterior com Américo Santo?

Não tive antes nem depois. Como ficou provado em tribunal, os meus encontros com ele eram raríssimos. Penso que tem um processo contra a câmara.

O que está a fazer agora?

Sou funcionário da Opway. Entrei para a empresa em 1968. Sou funcionário há 41 anos.

Qual é a sua relação com o PS?

Nunca recebi nenhuma solidariedade do PS. Nem precisava dela. Uma vez encontrei por razões profissionais José Sócrates. Ele viu-me, dirigiu-se a mim e cumprimentou-me à frente de toda a gente, mas não tive mais nenhum contacto do PS nem eles quiserem ter contacto comigo. Como não era acusado de pedofilia não tive ninguém a receber-me à porta.

Esse afastamento partiu mais de si ou do PS?

Partiu dos dois lados. Na altura o secretário-geral era o Ferro Rodrigues. Enviei-lhe várias vezes um documento para ser recebido e ele não quis. Aí percebi que não estavam interessados na minha presença. Mas tirando esse gesto simpático, não houve mais nada.

Tem alguma mágoa?

Não. Quem anda na política desde 1962 sabe que estas coisas são normais.

Pela forma como fala percebe-se que sente que devia ter sido apoiado de maneira diferente pelo partido...

Não tive nenhum apoio. Ninguém se solidarizou. Nos últimos anos que estive na câmara a oposição nem era feita pelo PSD, mas pelo PS.

Como evoluiu a sua relação com o PCP desde que abandonou o partido?

Saí, e pronto. Nunca fiz críticas nem andei a dizer mal das pessoas que lá estão. O PCP continua a ter os males que me levaram a sair, mas não tenho nada a ver com isso. Os militantes tratarão disso.

Como vê estes casos em que vários autarcas têm sido constituídos arguidos?

Os políticos são cidadãos como os outros com os mesmos deveres e direitos. Como são eleitos pelo povo têm exigências e obrigações maiores, mas, pela mesma razão, não pode ser qualquer jornal ou qualquer polícia da PJ a pôr um indivíduo fora do mandato. Quem optou por ficar no cargo, se calhar fez bem, até porque se provou, em muitos casos, que tinha razão.

O que acha da posição de Marques Mendes de que políticos constituídos arguidos não se deveriam poder candidatar?

Todos fazem essas declarações quando não é com eles. Um dos grandes defensores da minha demissão foi o Bloco de Esquerda, mas quando tocou a uma presidente de câmara do BE, disseram que ela não se devia demitir. É tudo uma hipocrisia. Houve uma altura em que os únicos suspeitos de corrupção no país eram os autarcas. Vamos ver o que vai acontecer com esses casos importantes: a Operação Furacão e os casos BPP ou BPN. Veremos se alguém vai ser condenado.

Acha que não vão ter um fim conclusivo?

Em todos os países há uma justiça da classe dominante. São eles que fazem as leis e nada vai pôr em causa as grandes figuras do sistema, que são os banqueiros e os industriais. Não são os políticos. Os políticos fazem--lhes o frete ou então enfrentam-nos. Mas eles é que são os grandes senhores do sistema.

Como vê estes quatro anos de governação socialista?

Acho que há duas etapas: antes e depois da crise internacional. Acerca da primeira, ninguém pode dizer que Sócrates não se esforçou ou tentou fazer o que era melhor. Conseguiu resultados, reduzindo o défice orçamental e equilibrando as contas, com voluntarismo e até alguma arrogância. Quando chegou a crise, o que devia ter feito era pedir a demissão, dizendo ao Presidente da República: "Este é outro jogo no qual o meu plano original já não se enquadra. Vamos a isto outra vez que eu candidato-me."

José Sócrates devia então ter- -se demitido?

Com certeza. Havia uma nova realidade. Agora a Europa está a borrifar-se para o défice orçamental. Ele não quis e deixou espaço para os adversários o atacarem. Por isso é que se chega a esta situação de previsível ingovernabilidade.

Vai seguir-se um bloco central?

Não. Para isso acontecer tinha de haver rupturas nos dois principais partidos. Sócrates tinha de sair do PS e ser substituído por António Costa, mas não sei se estaria disposto a isso. Talvez, devido à sua inflexibilidade, Manuela Ferreira Leite também tivesse de sair. Mas a tendência geral é que o Presidente assuma mais funções, diminuindo as responsabilidades do Parlamento. Há a tentação de uma V República Francesa. Eduardo Catroga já falou nisso.

Está pessimista em relação ao país?

Sim. Não havendo uma maioria absoluta, o governo vai entrar em gestão. E com a classe dominante que temos, do ponto de vista empresarial, a desgraça vai continuar.

Acha que temos uma classe empresarial fraca?

Simplesmente não existe. São analfabetos do ponto de vista da literacia e do ponto de vista empresarial. Há três ou quatro que se distinguem. Grupos como a Jerónimo Martins ou a Sonae são excepções à regra. O resto são empresas que, muitas delas, vivem das ajudas do Estado como é o caso da EDP e da PT, que foram privatizadas e agora são dominadas por estrangeiros e vão investir no estrangeiro, em vez de investir em Portugal. E depois anda o Basílio Horta a tentar que os estrangeiros invistam 1500 milhões de euros cá. Aí o PCP tem razão, há privatizações que não deviam ter sido feitas. Não sou pelas privatizações a todo o custo e até alguém que, como eu teve um pensamento comunista, sabe que o Estado historicamente deveria desaparecer, mas enquanto isso não acontece o Estado tem de ajudar o desenvolvimento.

Está bastante pessimista?

Acredito que o mundo vive de rupturas e estes senhores, não querendo, estão a contribuir para ela. Mas não acredito que haja alguma inovação no plano político. É possível imaginar vivermos os próximos anos com 500 ou 600 mil desempregados a receber subsídios? Alguém pensa em medidas estruturais? Está tudo à espera que as ajudas da Europa façam voltar tudo ao mesmo. Acabou a Índia, acabou o Brasil, acabou África, depois apareceu a UE, mas ficou provado que os vícios da nossa classe dominante são históricos. Só se aparecer uma Europa II. E depois os Nogueiras Leites e os Bessas que nos trouxeram até aqui continuam a dominar a comunicação social. Foram ministros, gestores e, em vez de responsabilizados, são procurados para falar do futuro do país.

Nunca lhe passou pela cabeça voltar à política?

Não. Muito menos à política autárquica.

Mas deixa a porta aberta a outros cargos políticos?

Não. Sabe que o que me fizeram é irreversível. Tenho lucidez suficiente para perceber isso. As pessoas passam por mim e dizem que pensavam que eu era uma pessoa séria e afinal "é um vigarista como os outros". Os jornalistas não têm noção do que fazem quando escrevem acusações não provadas e o que causam na vida das pessoas.

É um homem amargurado?

Tenho amargura, mas não me sinto um grande injustiçado da sociedade portuguesa, comparado com alguém como Álvaro Cunhal ou José Magro que passaram 20 e tal anos presos só porque não concordavam com o regime. Isto com a cumplicidade dos juízes. Tenho a certeza de que nenhum juiz fez mais pelos valores de igualdade e liberdade do que eu.


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: josé luís judas, câmara de cascais, ps, ferro rodrigues

por Nuno Aguiar, Publicado em 17 de Agosto de 2009

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